Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 26 de dezembro de 2005

E Se Fosse Verdade

Por mais que “E Se Fosse Verdade” pareça se diferenciar das comédias românticas habituais por se tratar de um tema diferente – o amor além da vida –, não consegue fugir dos padrões básicos de um filme do estilo. Mas, a película ainda garante bons momentos de diversão, e deve agradar em cheio aos fãs do estilo, e até aos não-fãs menos exigentes.

A história se foca em David Abbott (Mark Ruffalo), que quando alugou seu apartamento em São Francisco, a última coisa que esperava, ou queria, era dividi-lo com alguém. Foi só ele começar a bagunçar sua nova casa quando uma jovem bonita e controladora, Elizabeth Martinson (Reese Witherspoon), aparece de repente e insiste que o apartamento é dela. Convencido de que é um fantasma, ele tenta ajudar Elizabeth a atravessar para o “outro lado”. Enquanto Elizabeth e David procuram a verdade sobre quem ela é e como chegou à sua condição atual, a relação entre os dois vai se transformando em amor.

Quando assisti ao trailer de “E Se Fosse Verdade”, imaginei se tratar de uma comédia romântica diferente das quais estamos acostumados a ver costumeiramente, afinal, se tratando do delicado tema “vida após a morte”, diversas vertentes poderiam ser abordadas e aprofundadas pelo roteiro. Quando começo a assistir o filme, nos primeiros segundos, minha opinião não mudou, ao mostrar Reese Whiterspoon em um belo cenário coberto de flores que lembra o paraíso. Porém, logo depois, minha opinião começa a mudar quando percebo que o roteiro é trabalho estrategicamente seguindo os padrões de uma típica comédia romântica batida. Começamos conhecendo a rotina da protagonista, uma médica que dedica seu tempo inteiramente ao trabalho e por isso, não tem tempo livre para relacionamentos amorosos, fato que, todos imaginam logo que será modificado no decorrer da história. Pronto. Daí então vemos não se tratar mais de algo inovador, e seguimos a estrutura básica de um roteiro de comédia romântica: o “casal” de início não se dá bem, aos poucos um sentimento mais profundo começa a acontecer entre eles, no decorrer da história, óbvio, alguns empecilhos tem que acontecer e…finalmente, o grand-finalle. Será que eles terminam juntos? A resposta você pode até saber, mas espere para ver como ela se constituirá.

É, podemos ver que a maneira de se desenvolver a trama não foi lá essas coisas de original, mas de forma alguma isso significa que o filme não seja bom, afinal, no quesito comédia romântica, ele faz muito bonito e, por mais que pudessem abordar melhor diversas vertentes, o fato de apresentar um tema diferente, o tornou mais divertido do que muitas dessas comédias românticas adolescentes as quais o único diferencial entre elas, é o elenco – e olha que às vezes nem isso. Os ingredientes estão todos lá, e bem distribuídos: um casal convincente em cena, vivido por dois atores competentes e em ascensão no mercado atual; cenas cômicas, algumas delas, muito criativas por sinal; coadjuvantes divertidos e uma excelente trilha sonora, combinando bem com cada cena proposta pelo filme.

O roteiro, escrito por nada menos que três pessoas, não faz esforço para tornar o filme diferente dos filmes do gênero, pois situações pra lá de clichês estão presentes, como a cena em que o homem se vê seduzido por uma outra mulher, mas ele se sente balançado por na verdade gostar de outra. Além disso, temas como a eutanásia, são visados de uma maneira superficial, e quem viu filmes sérios como "Mar Adentro" sabe o quanto esse tema pode ser bem abordado. Ah, claro, aquele final que para muitos parace soar forçado, também está presente. Ainda assim, apesar de o roteiro não quebrar essa linha tênue, é inegável que ele se mostra criativo em diversos outros pontos, garantidos bons risos e 90 minutos de bom entretenimento sem compromisso.

Por se tratar de um caso entre duas pessoas pertencentes a mundos diferentes, o filme mostra seu pequeno diferencial. É muito interessante ver o afeto entre duas pessoas, sem elas conseguirem sequer ter algum contato físico – exceto um toque entre as mãos, fato que, para a surpresa de ninguém, é a prova de que eles foram feitos um para o outro -, e ninguém mais além dele poder vê-la. A partir disso, diversas situações cômicas criativas são apresentadas, onde os risos são garantidos. As cenas em que o personagem de Ruffalo tenta "exorcizar" o fantasma da sua casa de diversas maneiras – com direito até a aparição de "caça-fantasmas", com direito a musiquinha e tudo – são simplesmente hilárias, assim como outros momentos como a cena do bar, e a "salvação" no restaurante. No aspecto comédia, o filme agrada em cheio, méritos do diretor Mark Waters (que antes havia dirigidos as simpáticas comédias "Sexta Feira Muito Louca" e "Meninas Malvadas"). Além de manter sempre o clima descontraído em suas produções, o diretor prima por dirigir com competência seus atores, tirando o melhor de cada um dentro do que o estilo exige, qualidade que ele já havia demonstrado em seus filmes anteriores.

Uma coisa temos que assumir: se não fosse o carisma e a competência de seus protagonistas, o filme não seria tão divertido, pois tais momentos cômicos da projeção, são frutos, quase que em 100%, do esforço da dupla. Mark Ruffalo está perfeito como David, de forma que fica impossível não se identificar com seu personagem. O astro, que é sem sombra de dúvidas uma das melhores revelações dos últimos anos, dá uma forte carga emocional a David, um homem que vive atormentado por um drama do passado, transformando-o em um personagem ímpar, e não mais um esterótipo qualquer que faz de tudo para conquistar a mocinha do filme. Reese Whiterspoon por sua vez, também captura com perfeição a atmosfera de sua personagem, sabendo variar bem a tonicidade de seus gestos, expressões, e até sentimentos, já que sua personagem de início parece ser alguém exausta devido o excesso de trabalho, depois alguém chata de doer por tanto pertubar o pobre do personagem de Ruffalo, e claro, vamos nos aprofundando mais em sua vida e conhecendo o seu lado sentimental. A atriz que havia feito bonito em "Legalmente Loira 1 e 2" e "Doce Lar", mais uma vez faz bonito em uma comédia romântica, sem manter uma homogeneidade em seu estilo de interpretação.

Como uma boa comédia romântica não vive sem uma boa trilha sonora, "E Se Fosse Verdade" também não faz feio nesse quesito. Cada música combina exatamente com as cenas apresentadas, mostrando uma variação de atmosfera de uma maneira belíssima. O tema principal "Just Like Heaven", tocado pelo The Cure, por si só já soa como uma recompensa por ter pago o preço do ingresso. Fora ele, dentre várias ótimas canções,"Colors", cantada por Amos Lee, é outro ponto alto do filme.

Por fim, "E Se Fosse Verdade" pode não ser "A" comédia romântica inovadora, mas, possui seus ingredientes muito bem elaborados, além de possuir um tempero extra. É comovente, engraçado, mas não espere algo que vá fugir dos padrões "filme para se assistir com uma boa companhia em uma tarde vazia". Se você curte comédias românticas, a opção é ótima; se não, arrisque, pois 90 minutos de diversão sem compromisso não mata ninguém e talvez até faça você se animar um pouco.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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