Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 19 de outubro de 2005

Edukators

Os Edukadores é um longa que contempla diversas temáticas como amor, traição, seqüestro, debates ideológicos, manifestações sociais... Não fosse pelo seu “final pop-rock”, provavelmente seria mais elogiado por parte da crítica.

O filme, selecionado para o Festival de Cannes 2004, revela os dois lados do sistema de organização social atual, mostrando os que protestam contra ele(e representam também a juventude) e os que se dele se utilizam(grande magnata, simbolizando a elite conservadora) em meio a um conflito amoroso entre os manifestantes.

Jan (Daniel Brühl) e os namorados Jule (Julia Jentsch) e Peter(Stipe Erceg) são amigos engajados na luta anti-capitalista. Jan e Peter são os edukadores. Invadindo luxuosas mansões, eles desorganizam os móveis e objetos que encontram, sempre de forma pacífica, deixando uma mensagem escrita: “Vocês têm muita grana” ou “Seus dias de fartura estão contados”. Jan e Jule, depois de ocuparem pela segunda vez uma mansão, acabam sendo flagrados pelo dono da casa(Handenberg, interpretado por Burghart Klaussner). Sem alternativas, os três decidem seqüestrá-lo, e é na interação e no debate entre eles que o filme ganha força.

Apesar de os jovens nutrirem no fundo os mesmos ideais, o público adolescente, pelo menos a princípio, identificar-se-á com Jan, devido às características mostradas como indignação, desapego material e capacidade crítica apurada. Dos quatro papéis principais, Burghart Klaussner, que interpreta Handenberg e Jule, Julia Jentsch, são os que fazem mais bonito e convencem instantaneamente.

As primeiras imagens, em preto-e-branco, vistas de um circuito interno de TV aparentemente anunciam um filme dotado de certo grau de transgressão da linguagem cinematográfica hollywoodiana. A suspeita pára por aí. Embora Hans Weingartner opte pela utilização da câmera na mão na grande maioria das tomadas e por pequenos “pulos” de continuidade, seus planos não são longos, exceto na seqüência após o desmaio de Handenberg. A escolha pela câmera na mão parece ser por razões estéticas, assim como pela relação com a atmosfera transgressora. O poder está nas palavras… a imagem pouco diz se comparada a elas.

Do ponto de vista narrativo, apesar de ser dividido em início, meio e fim, o longa não possui um único conflito; possui, sim, vários momentos de tensão, fato que oferece mais imprevisibilidade à história narrada. A fotografia opta pela naturalidade da luz, aproveitando a luz proveniente do próprio lugar onde se davam as filmagens.

Em algumas passagens do filme, diálogos com idéias bem argumentadas podem ser interpretados como um claro convite à mobilização, mesmo que seja “apenas” a intelectual, como na fala de Jan: “Primeiro passo: reconhecer a injustiça. Segundo: agir. Dê o primeiro passo e ache aliados para o segundo”.

Para se ter uma idéia da possível reação ao filme do ponto de vista dos detentores do grande capital, talvez possamos lançar a curiosa questão: O que pensam os proprietários das mansões que serviram de locação para a gravação das cenas de invasão? Afinal aquelas casas e seus respectivos donos existem.

O mérito do filme está nos debates sobre a lógica capitalista, assim como sobre o espírito da juventude. Indignação tem idade? Embora bem conceituado entre parte dos críticos, os últimos instantes de exibição infelizmente impedem que se dedique maior atenção a Os Edukadores.

As últimas imagens parecem apresentar um videoclipe de mais uma balada pop rock dirigida ao público teen. A imagem final é algo que busca tornar o filme mais agradável e conquistar a simpatia, ampliando a receptividade do público. Transformando o protesto e a indignação do filme em artigos consumíveis, o final torna o filme mais vendável. Lembremos o personagem Jan falando a Jule que os objetos responsáveis por embalar os ideais anti-capitalistas de uma era, como um adesivo anarquista ou um tecido estampando Che Guevara, hoje são artigos expostos em vitrines. Acontece que isso se dá também com os momentos finais de Os Edukadores. A vitrine aqui é a tela de exibição. O final aproxima Edukators do cinemão americano.

Apesar das considerações sobre o desenrolar da história, uma das virtudes do filme Edukadores está em não oferecer ao público uma resposta totalmente acabada, mas lançando questões que diminuem a inércia que às vezes se vê nas discussões. Sendo assim, quando tiver oportunidade, não deixe de ver. Você pode não sair pensando em invadir mansões, mas quem sabe você não tira a poeira do seu Manifesto Comunista e dá uma lida.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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