Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 27 de março de 2005

Elektra

O filme, só por contar com Jennifer Garner, já pode ganhar crédito. Mas quando o roteiro não ajuda? E quando a adaptação fica aquém das histórias dos quadrinhos? Infelizmente, Garner, mesmo com muito talento e um grande fardo nas costas, sozinha, não consegue fazer o filme funcionar.

O sonho de todo amante das histórias em quadrinhos (HQ's) é ver seu herói favorito nas telonas. Depois de muito tempo de espera, a Marvel decidiu colocar seus principais produtos no grande filão dos cinemas. No início, teve um fracasso com "Capitão América" (1991), mas as suas séries para TV sempre foram sucessos ("X-Men" (1992), "O Quarteto Fantástico" (1967, 1994), "Hulk" (1966) e outros). Alguns anos depois vieram os bons filmes como "Homem-Aranha" (1 e 2), "Blade – O Caçador de Vampiros" (1, 2 e 3), "X-Men" (1 e 2). Alguns não fizeram muito sucesso, como "O Justiceiro", "Hulk" e "Demolidor – O Homem Sem Medo". O certo é que muitas adaptações estão sendo lançadas. Umas muito fiéis, outras nem tanto. Uma coisa que temos que dizer é que todos os filmes da Marvel possuem um apelo pipocão. São feitos para o "público pipoca" (que não está preocupado se tem roteiro bom ou ruim, se há defeitos e etc, mas sim que divirta). Infelizmente, está visão de mercado faz com que algumas adaptações não sejam fiéis aos quadrinhos, e que desta forma comprometa e muito os roteiros dos filmes. Este é o caso de "Elektra".

Torturada por seu passado e obcecada pela sua própria morte, Elektra (Jennifer Garner, de "Demolidor – O Homem sem Medo" e do seriado "Alias") se descobre renascida. Embora seu ‘sensei’ a tenha treinado na rígida disciplina do ‘ninjutsu’, ele não consegue domar a sua incontrolável fúria e evitar que ela se torne uma assassina profissional – a melhor de todas. Mas para se salvar, Elektra precisa de algo mais que uma razão para matar… Precisa de uma razão para viver. Ela a encontra na figura de seu alvo mais recente, a espevitada Abby (Kirsten Prout), uma garota de 13 anos, e em seu pai, Mark (Goran Visnjic, da série "Spartacus"). No caminho, Elektra terá que enfrentar um exército de inimigos mortais com poderes sobrenaturais, como um assassino profissional cujas tatuagens criam vida própria. Os únicos aliados de Elektra serão suas habilidades no combate manual; o ‘sai’, seu arco especial; e, acima de tudo, seu poder místico conhecido como ‘Kimagure’: a habilidade para prever os eventos antes que eles aconteçam.

Depois de "X-Men 2" e "Homem-Aranha" eu sempre espero dos filmes da Marvel uma adaptação fiel. Mas como essa personagem tinha vindo de um filme bomba, "Demolidor", era de se ficar com um pé atrás. Mas vou fazer uma pergunta: "Como é possível ficar com um pé atrás quando se tem como protagonista a linda Jennifer Garner?". Realmente foi difícil controlar a expectativa. Quando chegou a metade do filme eu pensei: "Como eles conseguiram transformar a personagem criada mago dos quadrinhos Frank Miller nisso?". É chato ver o potencial de interpretação de Garner ser tão mal aproveitado no filme. E olha que quem acompanhou um pouco da história da heroína sabe que ela é uma vilã fria, perigosa e bastante perturbada. O que vemos no filme é uma personagem de coração mole e muito paranóica com a morte de sua mãe.

A primeira aparição de Elektra nos quadrinhos foi 1981, em Daredevil #168. Fez tanto sucesso na época que ganhou uma HQ exclusivamente para ela. Assim como no filme "Demolidor – O Homem sem Medo", no qual ela fazia uma ponta em e acabou ganhando um filme só para ela. Infelizmente não repete o sucesso dos quadrinhos. Nesta versão para as telonas existe muita fantasia, muitas histórias paralelas mal-elaboradas e sem sentido algum (aqueles ‘flashbacks’ dela ressuscitando foi podre). Nas HQ's de "O Demolidor", após a morte de Elektra, um clã ninja de magia negra chamado ‘Serpentária’ pretendia tornar sua guerreira ‘Desmorta’ igual à Elektra e, para isso, precisavam transmitir para o corpo de ‘Desmorta’, um parcela do que um dia fora Elektra. ‘O Tentáculo’(um clã de ninjas assassinos e desonrados) forneceu o cadáver de Elektra para o ritual, mas foram detidos pelo Demolidor e por um ninja branco, que na verdade era Rocha do clã ‘Virtuosos’. Após derrotarem os ninjas do Tentáculo, Demolidor se aproximou do cadáver, desejou que sua antiga amada retornasse a vida, e desmaiou. Quando acordou, o corpo havia desaparecido. Ele fora levado por Rocha, que percebeu a vida retornando ao corpo, e que Matt ("Demolidor" havia conseguido expurgar o mal de seu interior. O amor do Demolidor trazia vida novamente à Elektra (esse episódio tem na revistas "Superaventuras Marvel" #167 – Maio/96).

Daí você tira como ficou bastante infiel ao original. Dá para perceber que o diretor Rob Bowman ("Reino de Fogo", "Arquivo X – O Filme") nunca teve a intenção de colocar uma Elektra sanguinária e má no filme. Afinal, como seu principal público é o ‘pipocão’, se assim o fizesse, sua censura não permitiria os menores de 18 anos no cinema. Zak Penn (“X-Men 2”) e os parceiros de roteiro Stuart Zicherman & Raven Metzner escreveram a história original (pelo menos tentaram, porque com esses ‘flashbacks’ irritantes, não tem quem agüente).

Mark e Abby Miller, interpretados pelo ator da série “E.R”, Goran Visnjic e pela jovem atriz canadense, Kristen Prout, não comprometem o filme, apesar da garota não mostrar intimidade nenhuma com as artes marciais. Chega a ser engraçado ver esse projeto de gente querendo mostrar que sabe lutar. Nem parece Jennifer Garner, que treinou duro antes e durante as filmagens. Seus dias começavam antes do amanhecer, quando ela ia treinar às 4 da manhã, antes de prepararem o set. Além de que sua personagem, no ótimo seriado "Alias" faz com que ela tenha uma excelente forma física e uma desenvoltura ímpar nas lutas. Apesar de que algumas delas tiveram a ajuda de efeitos especiais, mas a maior parte das cenas foram feitas sem o uso desses efeitos. O coordenador de dublês e coreógrafo das seqüências de luta, Mike Gunther, criou as diversas seqüências de luta de Elektra, cada uma delas baseada em diversas técnicas de arte marcial, que soam únicas tanto em sua concepção como em sua execução. Jennifer treinou um pouco de boxe, de Wu Shu, e de artes marciais mais pesadas, como Shodukan.

Uma pena que tanta dedicação de Jennifer Garner não consiga sustentar o filme. O visual da heroína com suas roupas vermelhas, o estilo matador de Elektra e as curvas da atriz são o principal atrativo do filme. O roteiro é fraco, há cenas bem chatas, alguns efeitos especiais são desnecessários e mal feitos (aqueles vultos de Kirigi são horríveis). É bom a Marvel abrir o olho, pois suas últimas adaptações estão sujando o belo nome que as séries tiveram nos quadrinhos. Torcemos para que as próximas sejam mais fiéis. Não é complicado fazer um filme fiel com apelo popular. Vimos isso no mega sucesso e arrasa-quarteirão "Homem-Aranha". Abre o olho, dona Marvel.

Jurandir Filho
@jurandirfilho

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