Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 03 de dezembro de 2005

Em Seu Lugar

Quem vai esperando ver apenas mais um filme bom para passar o tempo, pode ter uma boa surpresa. “Em seu lugar” acaba superando as expectativas e provando que é possível, sim, fazer-se um filme comercial de qualidade.

A primeira surpresa vem do fato de que um roteiro com grande potencial cômico vira um drama antes que se perceba sua intenção. Esse enfoque inesperado que baseia-se na oscilação de gêneros (comédia e drama) logo chama a atenção e dá um toque diferencial ao filme.

Maggie (Cameron Diaz) e Rose (Toni Collette – uma das atrizes mais versáteis do cinema atual) são duas irmãs de personalidades completamente opostas. Maggie é do tipo que vive pra curtir a vida com seu comportamento irresponsável e Rose, a mais velha, é uma bem sucedida advogada, recatada e com a vida perfeitamente em ordem. As duas têm uma ligação especial apesar de suas visíveis diferenças de essência.

Quando Maggie é expulsa de casa pela madrasta devido o seu comportamento “transviado” e tem que morar com a irmã, é que a relação das duas muda de figura. Rose tenta fazer com que Maggie dê um jeito em sua vida, enquanto a caçula não se esforça para mudar e, como se não bastasse, ainda ocorre uma horrível traição que se torna um ponto de ruptura na relação delas. A partir daí, tudo toma um rumo diferente na vida das protagonistas e o que acompanhamos na condição de espectadores é uma jornada de auto-descoberta de Maggie e Rose.

A responsável e bem sucedida advogada vê, de repente, que talvez quer algo diferente para si e a desajuizada Maggie, através da avó que descobre existir quando encontra cartas escondidas por seu pai, é obrigada a amadurecer e pensar um pouco mais nos outros em detrimento de si mesma. A veterana Shirley MacLaine, que interpreta Ella, avó das irmãs, dá um toque a mais no filme, provavelmente decorrente de seus anos de experiência e talento. A parte da história passada no retiro de idosos onde Ella (e após um certo ponto, Maggie também) vive são, inclusive, responsáveis por algumas das melhores cenas e diálogos do filme.

As personagens também, descobrimos aos poucos, têm outros aspectos escondidos sobre a superfície. A centrada Rose é uma compradora compulsiva de sapatos quando está deprimida e a imatura, porém segura de si, Maggie sofre de dislexia, o que lhe atrapalha profundamente em termos de conseguir um bom emprego.

O espectador vai, aos poucos e gradativamente, se envolvendo com a trama, que pode não ter mocinhos, bandidos ou reviravoltas inesperadas propriamente ditas, mas é conduzida de uma forma encantadora e interessante. As atuações das protagonistas não beiram a genialidade, mas certamente não deixam margem a criticas negativas. Cameron Diaz surpreende ao fluir muito bem num gênero não muito constante em sua filmografia (a atriz geralmente não explora muito o drama em seus filmes) e Toni Collette prova mais uma vez que é uma boa escolha em qualquer gênero. A combinação das duas, além de tudo, foi bastante oportuna.

O diretor, Curtis Hanson, embora tenha uma filmografia pequena (fora “Em Seu Lugar”, ele dirigiu “8 Mile” e “Los Angeles – Cidade Proibida") deixa a impressão que tem talento para o ramo e que promete ainda ser um nome de destaque.

“Em Seu Lugar”, enfim, surpreende aqueles que, a princípio, não lhe deram muito crédito. Não chega a ser uma obra prima de sétima arte, obviamente, mas nesses tempos de escassez criativa em que vivemos, acaba por se tornar um filme notável. Seguramente, não decepciona.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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