Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 21 de abril de 2005

Família da Noiva, A

A refilmagem de "Adivinhe Quem Vem Para Jantar" (1967) cumpre seu papel de entretenimento bobão e repleto de clichês. E olha que isso, dessa vez, não é coisa ruim. Tudo pode parecer batido, mas a química entre os personagens é muito interessante. Vale conferir sem muita empolgação.

O que faz um filme eficiente? Talvez seja o fato de você sair do cinema satisfeito, mesmo que ele não tem uma história cheia de glamour, atores fantásticos ou alguma coisa original. Só o fato de você sair do cinema com a sensação gostosa de que deu boas risadas e que todo filme de comédia deveria ser assim, divertido, já paga o ingresso. Em tempos que assistimos a um filme terrível, assombroso e abominável como "O Filho do Máskara", chega um filme como "A Família da Noiva", que tem uma premissa batida e com muitos clichês, mas que satisfaz.

Percy Jones (Bernie Mac) tem grande orgulho em saber que ele está sempre certo, especialmente no que diz respeito ao bem estar de sua família. Até que sua filha Theresa (Zoe Saldana) leva seu novo namorado, Simon Green (Ashton Kutcher), para conhecer o sogro. Percy e sua esposa Marilyn (Judith Scott) não sabem que Simon já pediu Theresa em casamento e planeja anunciar o noivado na festa de bodas de prata do casal.

Para Percy, homem algum será bom o bastante para sua filha, e a longa lista de aspirantes e artistas com quem Theresa namorou só serviu para reforçar suas convicções. Para que nenhuma surpresa desagradável venha a surgir, Percy, um gerente de empréstimos bancários, faz uma investigação de crédito de Simon. O rapaz, um jovem e bem sucedido corretor de ações, certamente parece ótimo no papel e, pela primeira vez, Percy se vê ansioso por conhecer um dos namorados da filha.

Entretanto, o jovem que ele imaginou — uma fascinante combinação de Denzel Washington, Colin Powell e Tiger Woods — não é aquele que chega em sua casa. Percy fica estupefato e até um pouco indignado quando sua filha lhe apresenta seu noivo, branco e caucasiano. Depois que seu choque inicial se dissipa, Percy começa a interrogar Simon sobre a história de sua família, educação, carreira e seus esportes favoritos. Sentindo a pressão para impressionar seu futuro sogro, Simon se gaba com o seu passado (não-existente) como piloto de corridas, o que só serve para aumentar as suspeitas de Percy.

E então, as repetidas tentativas de Simon para causar boa impressão são inúteis. Percy o confronta várias vezes — em cenas hilárias — e toma como missão desmascarar a fraude de Simon e acabar com o novo relacionamento de sua filha.

Tudo é muito parecido com vários filmes que você já viu. Chega a ser idêntico, em alguns pontos, ao eficiente "Entrando Numa Fria" (2000). Tudo bem que Bernie Mac não chega nem aos pés de Robert De Niro, mas o contexto é muito semelhante. Pai durão, filha bobinha, genro desajeitado. Isso nós já vimos em vários filmes. Esse é o grande pecado do filme. Falta um pouco de originalidade. Só em já ser uma refilmagem modificada do ótimo "Adivinhe Quem Vem Para Jantar", já dá para ficar com um pé atrás. Ainda mais quando invertem de um casal desafiado a aceitar o namoro da filha com um rapaz negro, para pais negros que confrontam o fato de que a filha se envolveu com um jovem branco.

O que deixa a entender é que eles resolveram inverter o contexto para não ficar tão escancarado o racismo dos brancos. Já que na época que foi lançado o original, o racismo estava no auge. E mesmo hoje em dia, onde vemos um latino jogando futebol na Europa e a torcida jogando banana no campo a fim, única e exclusivamente, de humilhar o rapaz, não pegaria bem ficar abordando isso (medo da polêmica?). Inverteram e colocaram o racismo dos negros para com os brancos, que, muitas vezes, chega a ser pior do que o do branco, devido o fato de isso ser de outras épocas.

O negro estadunidense tem o orgulho muito elevado. Tanto que eles possuem bairros só para negros. Às vezes, o racismo do negro chega a ser tão pesado, que ofende. Aliás, o branco faz racismo para ofender, o negro faz racismo para se defender e por causa do seu orgulho. Tanto que você vê isso em piadinhas no filme. O jantar com a família é muito engraçado. Parece que ver as reações das pessoas com o racismo é divertido. Não, não é. É bastante involuntário, porque abordado de uma maneira leve.

Alguns devem estar comentando porque diabos eu estou falando de racismo, uma coisa tão abominável. Pois é, falo porque ainda acontece. Não só por causa da cor, mas por outras coisas também. Todos ainda são muito preconceituosos hoje em dia. Falta evolução espiritual para superar isso. O filme mostra que a convivência faz com que esse racismo suma e o respeito seja o DONO da situação. O interessante é ver o negro fazendo racismo, depois de lutar tanto contra isso durante anos. Hipocrisia na telona, mas real.

O filme é uma comédia como outra qualquer. Temas batidos, clichês aflorando por todos os lados, casal apaixonado, pai durão e nada de interessante, a não ser o conflito étnico. Mesmo assim, o filme satisfaz. Você vai dar muitas risadas. Apesar de Ashton Kutcher nunca ter saído do "That '70s Show". O cara tá o mesmo em todos os papéis, em todos os seus filmes. Versatilidade que é bom, nada. Mas dá para quebrar o galho, nesse caso em específico. O que paga é a expressão facial de Bernie Mac, você vai bolar de rir.

Jurandir Filho
@jurandirfilho

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