Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 30 de agosto de 2005

Incompreendidos, Os

Em sua primeira obra, François Truffaut prova que nasceu para o cinema. Bem-aventurados são os cineastas que, em seu primeiro trabalho, realizam a sua obra-mestra.

Dentre tantos títulos maravilhosos em uma só carreira, “Os Incompreendidos” surge como o mais belo filme do cineasta francês François Truffaut (e não me venha com “Jules e Jim”, uma das maiores cenas da cinematografia mundial, a grande inspiradora das paixões não-resolvidas).

Antoine Doinel é um menino como tantos outros de sua época. Vive em um eterno conflito com sua mãe e seu padrasto, que o criou desde os primeiros meses de vida. Ambos possuem empregos medíocres, e a existência permanece cada vez mais complicada de se enfrentar. Antoine freqüenta uma escola ortodoxa, com professores católicos e extremamente exigentes, mas isso não é empecilho quando se está na flor da idade. Crise ou professor algum são capazes de evitar que os sinos da bela Paris (neste filme tão jovial) toquem. Os dias de Antoine são recheados de delícias, como fugas da escola para um passeio no parque ou no cinema. Apaixonado pelas Letras, o menino também chega a deleitar-se com uma boa obra do escritor e seu conterrâneo Honoré de Balzac. Mas como nem tudo na vida são flores, o pequeno-grande Antoine enfrentará alguns problemas em sua saga, ora triste, ora onírica, inspiradora.

Quando citei a palavra “saga” não foi à toa. O personagem de Antoine Doinel acompanhara Truffaut durante a sua carreira cinematográfica. Sempre interpretado por Jean-Pierre Léaud, Doinel protagoniza ainda outros quatro filmes do cineasta: Amor aos Vinte Anos – Antoine e Colette (1962), Beijos Proibidos (1968), Domicílio Conjugal (1970), e Amor em Fuga (1978). Em um curta-metragem e três longas, respectivamente, as aventuras de Doinel (suposto alterego de Truffaut) são narradas com bastante humor pelo cineasta.

“Les 400 Coups” é o título original de “Os Incompreendidos”. O termo na língua francesa é uma expressão equivalente a “pintar o sete”. Sim, Antoine pinta todos os números e possui a indiferença da gente adulta, é incompreendido. Ambos os títulos fazem sentido e são bastante simbólicos. O nome dado em língua portuguesa chega a inspirar poeticidade.

A obra de Truffaut é uma das mais belas parábolas sobre a infância. Antoine sobrevive no tempo da delicadeza, na idade da inocência. Assim, como o primeiro filme do decurso de um grande cineasta, “Os Incompreendidos” há de permanecer imaculado, juntamente com todo o resto de sua vasta e conceituada carreira cinematográfica.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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