Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 29 de setembro de 2005

Lenda do Pianista do Mar, A

Uma grande obra, um grande elenco, um grande episódio na história do cinema. Assistam, aproveitem e se emocionem com a história de um homem, que mesmo não conhecendo o mundo, sabe mais dos que o conhecem.

"A Lenda do Pianista do Mar" ou "A Lenda de 1900" (tradução literal do título em inglês) é mais um excelente filme de origem italiana. Cada vez mais os filmes italianos me surpreendem, e apesar deste ser falado na língua inglesa, o seu diretor é italiano. Depois de mestres como Sergio Leone, Vittorio de Sica, Fellini e Roberto Rosselini, a Itália nos presenteia com outro magnífico diretor, Giuseppe Tornatore. E vou dizer mais, ele é o maior e melhor diretor italiano ainda vivo. Depois de sua obra prima "Cinema Paradiso" e antes de fazer seu ótimo "Malena", Tornatore havia feito esse maravilhoso A Lenda do Pianista do Mar, que só não digo que é seu segundo melhor, colado com "Cinema Paradiso", porque infelizmente só vi os três acima mencionados. Mas, dos que eu vi, dois deles estão entre os melhores filmes que eu já vi na minha vida. Sua visão é esplêndida e mais uma vez ele consegue emocionar a todos que assistem essa obra. Criativo e mesmo sendo uma obra com um roteiro adaptado, ele consegue com maestria transformar em um dos melhores filmes já feitos. Concordo que "Cinema Paradiso" é melhor, mas esse é tão fantástico quanto. Tornatore está tão à vontade ao dirigir o filme que parece que ele mesmo criou a obra, e de certa maneira o fez, deu vida e paixão a um filme que poderia ser extremamente cansativo. A condução do elenco e da câmera, além do estético, faz da produção uma forma de arte. E por que não classificar esse filme como arte? Mesmo sendo um drama magnífico, é também pura expressão de arte. Se um ser querendo se soltar e se expressar dignamente com um tom poético e lírico, isso não é arte?

Esse filme é uma maravilhosa obra que tem a mesma fórmula de "Cinema Paradiso", a história da vida de uma personagem contada por alguém próxima, e ao invés do assunto abordado ser o cinema, neste A Lenda do Pianista do Mar é a música e sua paixão por ela. Utilizando filosofia para explicar a personagem de Mil Novecentos (Tim Roth), Tornatore conseguiu dar vazão para lógica e para a racionalização humana, sendo o ápice do filme, a forma com que um mundo pode ser o mesmo, mas ser diferente apenas modificando o ponto de vista da maneira que bem entender, é assim que é feito o filme, como uma obra significativa e pensante para a humanidade. Infelizmente o filme faz parte o "circuito alternativo" (que nos premia cada vez mais com fantásticos filmes), não tendo tanta divulgação e tendo um público mais restrito. Nunca tirando o mérito de um dos filmes mais fabulosos da história do cinema. Com cenas antológicas, o filme conta uma história simples e até mesmo fantasiosa (por isso mesmo é uma "lenda"), pois é algo que raramente aconteceria, não importa que isso tenha ocorrido no começo do século passado. É sem dúvida algo que todos que tenham sensibilidade irão apreciar.

Mil Novecentos (Tim Roth) é um garoto encontrado no navio The Virginian, enquanto estava a bordo, por um engenheiro do navio, seu nome era Danny (Bill Nunn). Ao procurar objetos deixados pelos passageiros de primeira classe, ele encontra um garoto numa caixa que estava escrita "T.D. Lemon", assim Danny o pega para criar, pois sempre afirma que "T.D." significava "Tome, Danny." ("Thanks, Danny."), e assim ele o faz. O garoto cresce ao meio de carvão e caldeiras, e sempre obedecendo Danny, que o mandava nunca sair do barco e ficar escondido. Aos oito anos, Danny sofre um acidente e morre, deixando Mil Novecentos sozinho, e ele então começa a perambular pelo navio, e numa dessa acaba se encantando e aprendendo a tocar piano, virando um exímio pianista. Com uma exceção, desde de 1900 (ano de seu nascimento) até os dias atuais da história ele nunca sequer havia saído do navio, nunca tinha pisado em terra firma. A história é contada por um amigo dele, que com ele tocou, Max (Pruitt Taylor Vince).

Existem pelo menos três cenas que já vão entrar para história, cenas antológicas e líricas, certamente maravilhosas: a cena em que Mil Novecentos toca piano, no meio de uma tempestade, com o piano deslizando por todo o navio; no duelo entre Mil Novecentos e Jelly Roll Morton (Clarence Williams III); e quando Mil Novecentos vê pela primeira vez a garota nunca identificada, quando está gravando seu primeiro vinil.

Tim Roth mostra que é um ótimo ator, não digo que é sua melhor atuação porque vi poucos filmes dele, mas certamente é a mais lírica e poética. É impressionante vê-lo caracterizado como um pianista que nunca teve uma vida normal, mas é um dos mais fantásticos seres que já existiram. Tim Roth está convincente e muito bem, com uma performance digna de muitos elogios, é um grande atrativo para o filme. Pruitt Taylor Vince também ótimo ator, foi uma surpresa para mim este filme assim com suas respectivas atuações, foi algo magistral. Gostei muito deles nos papéis de músicos, mas não há mais nada a se dizer que seja relevante. Estão excelentes.

Mais uma vez Ennio Morricone se consagra nesse maravilhoso filme, e considero essa sua terceira melhor trilha sonora e uma das melhores da história, ainda acho as trilhas sonoras de "Cinema Paradiso" e "Era Uma Vez na América" melhores. Um grande trunfo para qualquer filme é sem dúvida contratar Ennio para compor a trilha sonora, não é a toa que ele é meu compositor de trilhas preferido. Suas composições são geniais, líricas, poéticas e contagiantes. Simplesmente maravilhosas.

Além da excelente sonoridade, o filme também se destaca visualmente. A fotografia é primorosa, algo espetacular. A cenografia, mesmo quase todos serem cenários marítimos e navais, são algo que além de compor a história e ser um grande fator no filme, são maravilhosos, eu destacaria cenas do filme, mas seriam muitas, de tão contínuo e esplendoroso que é. Tudo é fantástico, e mesmo existindo categorias técnicas como maquiagem e efeitos visuais que não tem muito destaque, e sendo de pouco uso, são fatores que fazem mais do que completar e compor o filme, eles dão um significado, assim como tudo no filme.

Foi com grande pesar no coração que descobri que o único reconhecimento mundial, digamos assim de maior importância, foi o Globo do Ouro de Melhor Trilha Sonora. Não ganhou nenhum Oscar, mas tudo bem, não deixa de ser um filme monumental, magnífico e realmente um grande favor a todos nós que temos o privilégio de descobrir esse A Lenda do Pianista do Mar.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

Compartilhe

Saiba mais sobre