Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 24 de agosto de 2005

Machuca

Impecável no roteiro, montagem e em outros aspectos técnicos, “Machuca” é um filme imperdível, mais do que recomendável.

Felizmente, a cada ano, há uma crescente melhora nas produções cinematográficas latino-americanas. Infelizmente, em um país onde nem mesmo os seus filmes são valorizados, nem todas chegam ao alcance do público de países vizinhos. Quando o milagre da distribuição desses filmes no Brasil ocorre, é com um atraso descomunal, de três ou quatro anos, como ocorreu com a película argentina “O Pântano”, de Lucrecia Martel, que foi trazida aos cinemas de arte de Fortaleza cerca de três anos mais tarde do que a sua estréia nos cinemas sulistas. O público da capital ainda pode contar com a sorte de encontrar algum destes filmes em cartaz no Espaço Unibanco do Centro Cultural Dragão do Mar de Arte e Cultura. “Machuca”, o filme chileno de Andrés Wood, foi um dos poucos abençoados a chegar ao Espaço Unibanco, e às locadoras neste mês de agosto.

Gonzalo Infante (Matias Quer) possui onze anos no Chile de 1973. Filho de uma família rica, o menino estuda no melhor colégio do país, o conceituado Saint Patrick, coordenado por padres ingleses em sua totalidade. Inspirado no regimento solidário e humano de Salvador Allende, o padre McEnroe (Ernesto Malbran) resolve tomar a atitude de matricular alguns alunos do povoado que vive às margens da escola e da sociedade, metaforicamente falando. Com isso, ele pretende unir estes dois mundos que se mantêm tão longe, mas que convivem tão perto um do outro. Uma destas crianças beneficiadas é Pedro Machuca (Ariel Mateluna), um garotinho de feições tipicamente latino-americanas, encantador. No meio de uma complicação com outros colegas, Gonzalo e Pedro acabam unindo-se, e formando uma amizade totalmente contraditória para os padrões daquela época.

Ao mesmo tempo em que crescem juntos e cultivam uma amizade sincera, Gonzalo e Pedro passam a sentir a repressão esmagadora da transição do poder de Salvador Allende para Pinochet. A indiferença provocada pela família de Gonzalo pelo menino Pedro aumenta; as diferenças sociais tornam-se cada vez mais óbvias. Tudo isso machuca. O título do filme não surgiu assim à toa. O personagem de Pedro foi criado, talvez, como a principal manifestação de denúncia. Esta foi a arma do cineasta para transformar uma película toda a dor sentida (principalmente pelos meninos da época, como fora dito pelo próprio Andrés) durante a repressão daquele governo que estava apenas começando.

Assim como François Truffaut, Andrés põe poeticidade aos quilos em sua obra. A infância de Gonzalo e Pedro, assim como reprimidas, são tão saudáveis e oníricas como a de Antoine Doinel, personagem repetido nas obras do cineasta francês. A atuação das crianças, principalmente, é um deleite à parte. “Machuca” é repleto de amor, de um primeiro amor. A trilha sonora do filme, de forma maravilhosa, acompanha os sentimentos de euforia dos dois meninos. Impecável no roteiro, montagem e em outros aspectos técnicos, “Machuca” é um filme imperdível, mais do que recomendável. Principalmente a nós, para que possamos fazer parte da cinematografia dos nossos irmãos, que, assim como Gonzalo e Pedro, tão perto, mas tão distantes dos brasileiros. E que venham outros filmes chilenos, uruguaios, argentinos…

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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