Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 29 de janeiro de 2006

Munique

Munique é uma grande experiência. Assim como o personagem de Eric Bana passa por uma evolução real, ficamos na torcida para que a Palestina e Israel passem também por essa evolução. Só que isso não depende apenas deles...

Steven Spielberg é um homem corajoso. Quando as esperanças foram ficando cada vez mais distantes em conseqüência dos seus últimos filmes, ele lança essa obra-de-arte. Não víamos o diretor tão inspirado desde A Lista de Schindler (1993). E, sinceramente, este não é um filme para qualquer um. É difícil gostar dele. É longo, tem muita informação, geralmente você sai mal da sessão. Mas juntando tudo isso e assimilando, Munique é transformado em um espetáculo à parte.

Aqui não precisamos falar de atuações. Não há nada de extraordinário nisso. O que carrega o filme nas costas é a direção surpreendente, a fotografia magistral, uma trilha sonora das mais belas e um roteiro bem amarrado e polêmico. Os atores presentes no filme apenas fazem o que lhes foi pedido. Até Eric Bana, o protagonista da história, está razoável (e olha que nem bom ator ele é).

Em setembro de 1972, um ataque terrorista sem precedentes foi mostrado ao vivo para 900 milhões de telespectadores no mundo todo e se desdobrou num mundo novo de violência imprevisível. Era a segunda semana das Olimpíadas de Munique, na Alemanha Ocidental, e os jogos estavam sendo chamados de “As Olimpíadas da Paz e da Alegria”. De repente, sem aviso nenhum, um grupo extremista palestino conhecido como Setembro Negro invadiu a Vila Olímpica, matou dois membros da equipe israelense e manteve outros nove como reféns. A tensão foi crescendo e resultou num trágico massacre que terminou 21 horas mais tarde quando o jornalista Jim McKay pronunciou as terríveis palavras: “Estão todos mortos”.

Enquanto o terror de Munique era visto e sentido em todo o mundo, a secreta conseqüência do evento permaneceu desconhecida. No centro dessa história está Avner (Eric Bana), o jovem patriota israelense e oficial da inteligência de seu país. Ainda de luto pelo massacre de Munique e enfurecido por sua selvageria, Avner recebe de um oficial do Mossad uma missão secreta inédita na história israelense: abandonar sua mulher grávida e sua identidade para caçar e matar os onze homens acusados pela inteligência de Israel de planejarem os assassinatos em Munique. Apesar de sua juventude e inexperiência, Avner logo se torna o líder de uma equipe de quatro recrutas distintos, mas muito habilidosos.

Primeiramente, gostaria de falar da sensação sentida ao final do filme. É normal você ficar perplexo. Ou, talvez, sem uma opinião formada. Mas quando você começa a juntar as peças e gera sua opinião, é que o filme é reconhecido. Extraordinário. Os questionamentos do personagem principal fazem você pensar: “Quem exatamente estamos matando? Isso pode ser justificado? Isso vai acabar com o terrorismo?”. Existe muita diferença entre você fazer justiça e você fazer parte da justiça. Será que a solução era matar os onze homens? Eles seriam substituídos como o tempo. E foram. Por pessoas piores do que eles. Para Avner isso não tinha sentido. Para Israel, os culpados estavam sendo punidos. O objetivo deles não era acabar com o terrorismo, mas sim acabar com aqueles que planejaram aqueles assassinatos em Munique. Com isso, rondando o filme todo, Spielberg consegue medir bem o seu ponto de vista. Não puxa sardinha nem para o lado palestino e nem para o lado israelense. O seu ponto principal com o filme era tratar do ser humano. Esqueçam as guerras e rivalidades. O ponto principal do filme foi o ser humano. E Spielberg atingiu em cheio.

A fotografia do filme é espetacular. Não precisa ser perito nas técnicas da sétima arte para perceber o quanto ela foi bem trabalhada. De Geneva a Frankfurt, Roma, Paris, Chipre, Londres e Beirute são retratadas com perfeição. E ainda mais, sempre preservando a época dos fatos. Podemos dizer que a cena final é a principal de todo o filme. A bela Manhattan com as torres gêmeas ao fundo, dando um ar de enterro fúnebre. Um dos grandes desafios para a produção, incluindo o diretor de fotografia Janusz Kaminski (A Lista de Schindler), foi recriar a situação de refém com fidelidade e suspense. Cenas das Olimpíadas de Munique abrem o filme, mas depois são reveladas com mais detalhes, através de seqüências de flashbacks que combinam recriações dramáticas dos eventos com filmagens antigas. Rick Carter (A.I – Inteligência Artificial) e Joanna Johnston (O Resgate do Soldado Ryan) fizeram um trabalho fenomenal capturando a época e o cenário do filme.

Vale lembrar que para muitos do elenco, este filme só passou de uma grande produção. Mas para uma pessoa em especial, este foi mais do que um grande filme. Um dos atores tem uma estreita relação com essa história: o ator Guri Weinberg, filho do israelense Moshe Weinberg, juiz e ex-campeão de luta morto em Munique quando ele tinha apenas um mês de idade. Agora, com 33 anos, a mesma idade que seu pai tinha quando morreu, Guri Weinberg teve a rara oportunidade de retratar seu pai e prestar uma homenagem a ele. O ator achou a experiência de recriar os eventos que tiraram a vida de seu pai muito desafiadora, mas também profundamente terapêutica e significativa. Ele conta: “Interpretar o meu pai me fez ter muito respeito pelo o que ele realmente vivenciou. Isso solidificou os meus sentimentos e emoções, porque nunca nos relacionamos. Fazer esse filme me propiciou, finalmente, ter uma relação com ele”. Deve ter sido pesado para ele.

O dramaturgo vencedor do prêmio Pulitzer, Tony Kushner, trabalhou no roteiro depois que Eric Roth (Forrest Gump – O Contador de Histórias) escreveu um rascunho inspirado no livro Vengeance, do canadense George Jonas. E ele foi muito feliz. O roteiro é um dos pontos chaves do filme.

E a trilha sonora? Atrevo-me a dizer que esta trilha está entre as cinco melhores trilhas de todos os tempos. John Williams é um gênio. Se não bastasse ele ter feito a trilha de muitos filmes de Spielberg (Guerra dos Mundos, Jurassic Park, A Lista de Schindler e muitos outros) e ser o compositor mais premiado do mundo, ele dá um show de qualidade neste filme. Músicas fenomenais. Temas surpreendentes, comoventes. A música final é de uma genialidade absurda. Tem certos compositores que fazem músicas que falam por si. Às vezes não necessário nem ter diálogo, pois a música consegue transparecer tudo que o diretor quer expressar. Parabéns para John Williams, um senhor que tem no currículo a saga Star Wars e foi indicado 41 vezes ao Oscar (ganhando 5), não poderia ter feito melhor.

“Munique” é uma grande experiência. Assim como o personagem de Eric Bana passa por uma evolução real, ficamos na torcida para que a Palestina e Israel passem também por essa evolução. Só que isso não depende apenas deles…

Jurandir Filho
@jurandirfilho

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