Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 26 de março de 2006

Plano Perfeito, O

Com um roteiro inteligente, porém com alguns pequenos erros, Plano Perfeito é muito mais do que se parece ser. Dele podemos tirar várias críticas, ao melhor estilo Spike Lee (A Última Noite e Bamboozled) de se fazer filme político. Dessa vez, ele pega a sociedade norte-americana, especificamente a nova-iorquina, e joga contra a parede.

É interessante como um filme bem inteligente pode ser feito de forma que atraia os menos críticos pelas suas premissas (roubo a banco, elenco com nomes de peso, dentre outras) e os mais críticos pelas facetas de seu roteiro, sua condução e o diálogo duro que ele trava para com os maneirismos da sociedade norte-americana. Sendo assim, para aqueles que entram na sala de projeção e pensam em ver somente mais um roubo a banco, acaba tendo que mudar seus conceitos no decorrer do filme, pois mesmo se mostrando de forma cansativa ele expõe o sentimento de que algo interessante demais está por vir. Dentre os que se envolveram mais na trama, a projeção gerará um quebra-cabeça no espectador e esse acompanhará os personagens principais na montagem deste, principalmente quando o filme passa da etapa intermediária e começa a entrar no desfecho. Mas é interessante notar que antes dos pormenores do desfecho começarem a serem explicados, o roteiro já deu um grande passo para a proposta que não vinha amostra em nada que podemos ler ou que tenha servido de propaganda antes do filme.

A projeção gira em torno de um assalto a banco orquestrado pelo inteligentíssimo Dalton Russell (Clive Owen). Ele entrou no banco disfarçado e, quando já tinha dominado-o, vestiu todos os reféns tal como os seqüestradores, o que dificultaria e muito o trabalho policial. Mas Dalton é mais inteligente do que isso e tem tudo minuciosamente pensando, pois até quando o negociador Keith Miller (Denzel Washington) tenta uma investida com escutas escondidas na comida exigida por Dalton, ele já tem um plano para anula-la, além de causar um tremendo alvoroço nos policiais responsáveis. Dentre tantos feitos inteligentes de Dalton, o personagem de Clive Owen parece desde as primeiras cenas ser bem interessante pela forma como é apresentado. Ele aparece em uma sala, aparentemente de interrogatório e fala calmamente que fez o roubo perfeito, mas deixa a dúvida de que fez mesmo por falar em prisão e coisas do tipo.

O diretor Spike Lee e os roteiristas Russell Gewirtz e Menno Meyjes, realmente não pouparam detalhes, tanto em seus personagens, como na condução do filme. Nenhum personagem é por acaso e até mesmo a roupa de alguns representa algo, como a de Keith Miller, interpretado por Washington. Quanto a condução do filme, foi frisadas cenas que parecem inúteis, como o isolamento do local, o protocolo que Keith teve que passar ao se encontrar com o capitão Darius (Willem Dafoe, o Duende Verde de Homem-Aranha) e a forma como a polícia soube do assalto. Ele foi bem meticuloso nisso e, em vez de colocar em segundo plano, tendo à frente algo mais importante, as câmeras foram bem diretas a esses detalhes, lógico, acompanhadas sempre de uma complacente trilha sonora.

Por falar em trilha sonora, vale dizer que as canções do filme estão postadas de forma estratégica. Elas são partes primordiais para o entendimento dos “porquês” de vários diálogos. Por exemplo, quando a um diálogo aparentemente normal e forçado do chefe da quadrilha com um garoto refém que jogava videogame, está lá a trilha sonora propondo o que deveríamos tirar daquele diálogo. Mais uma crítica, dessa vez à maneira como os jovens são abordados em filmes do gênero. Viajei muito? Talvez, mas que vale sempre notar a música que rola no fundo, isso vale, pois nenhuma delas estão ali à toa.

Uma das partes que mais chamam atenção antes mesmo de entrar no cinema são os vários nomes conhecidos – e alguns de talento mais que comprovado – que desfilam no cast do filme. Denzel Washington encarna um dos personagens mais interessantes da trama. O detetive Keith é uma mistura de irônico, durão, irreverente, persistente, inteligente. A única coisa que deixa o detetive se sentindo bobo são as peças pregadas por Dalton Russell que, como dito antes, é interpretado por Clive Owen. Esse poderia ter trabalhado melhor, mas suas falhas são ocultadas pelas boas facetas de seu personagem, o que é carga totalmente do roteiro. O filme ainda conta com Jodie Foster como a misteriosa e imprevisível Madeliene White e Willem Dafoe, que interpreta o capitão Darius, quem não parece muito preocupado com o problema, por incrível que pareça. Ambos tem mais ou menos o mesmo tempo em cena e fazem seus papéis normalmente. Jodie sobressai-se quando é mais requisitada no final.

O que não deixa a trama ser um filme melhor são os erros fáceis de serem evitados que ele acaba apresentando. São pequenos, mas como são vários e em momentos cruciais, facilmente notados. Furos no roteiro, pontas que não foram juntadas, algumas cenas que entregam facilmente algumas coisas do desfecho, a duração, um final que parecia não ter mais fim e muitos, mas muitos erros de continuidade – algo que faz tempo que não noto na primeira assistida a um filme. Entretanto, são coisa que, pelo que o filme apresentou, devemos deixar para lá e curtir o que ele nos demonstra de bom.

O jeito Spike Lee de se fazer cinema é o ponto mais notável e mais forte do filme. Ele com certeza agradará a muitos, mas deixará outros infelizes de terem gastado para ver esse filme. Nada de ação exacerbada por se tratar a um assalto a banco, muito menos um filme que gira em torno da estratégia policial para acabar com o problema. As entrelinhas do roteiro é que devem ser bem observadas. Mesmo assim, ainda tem gente que vai sair do cinema reclamando que teve pouca ação, que isso e que aquilo, sem entender o real interesse de Spike Lee.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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