Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 18 de fevereiro de 2006

Ponto Final – Match Point

Woody Allen volta às telonas em boa forma em Ponto Final – Match Point, uma trama envolvente, ambiciosa, ousada e que promove uma crítica social forte, com um desenrolar lento, porém instigante até os últimos momentos, que, por sinal, impressionam.

“Num jogo, há momentos em que a bola bate no alto da rede e, por uma fração de segundo, ela tanto pode seguir à frente, ou cair de volta. Com um pouquinho de sorte, ela vai em frente e você ganha. Ou talvez não, e você perde”. É mais ou menos nesta frase dita na primeira cena pelo protagonista, Chris Wilton, vivido por Jonathan Rhys Meyers, que o filme baseia sua filosofia e instala sua crítica social abordando a sorte, o destino e a competência das pessoas.

Ponto Final conta a história do ex-tenista profissional Chris Wilton, um jovem que havia abandonado a profissão por não se achar bom o bastante para levá-la adiante. Ele torna-se professor de tênis em uma associação cujos sócios são de classe alta, onde acaba conhecendo o boa pinta Tom Hewett. Os dois descobriram uma paixão em comum por óperas, fazendo com que Tom convide o tenista para assistir um espetáculo no camarote da sua família onde Chris acaba conhecendo a irmã de Tom, Chloe, que se interessa por ele, sendo correspondida mais por amizade e consideração que por paixão, até que ele conhece a noiva de Tom, Nola Rice, e começa a ter um caso obsessivo com esta.

O protagonista casa-se com Chloe e consegue um emprego na empresa da família da moça, abandonando as aulas de tênis. Um ano depois, reencontra-se com a atraente Nola e o romance ressurge com força total. Enquanto isso, Chloe tenta engravidar, mas, como previsível, quem fica grávida é a amante Nola. A partir daí, os personagens passam a viver em constantes cobranças, incertezas, culminando em um final genial e bem construído, que só podia sair da cabeça de Allen.

Ao contrário do que o diretor tem feito nas suas últimas produções, seus filmes estão saindo do padrão a la Woody Allen, o que não significa que veremos uma película totalmente diferente das outras. Allen está inovando e parece que está acertando. Saindo do típico cenário nova-iorquino, Ponto Final se passa em Londres e não muda somente nesse sentido. Sem longos diálogos e menos europeu, o filme não contou com a atuação do diretor, que escolheu um elenco jovem e responsável. Jonathan Rhys-Meyers (Chris Wilton), Scarlett Johansson (Nola Rice), Emily Mortimer (Chloe Hewett Wilton) e Matthew Goode (Tom Hewett) dão um show de harmonia e afinidade durante a trama, com destaque para Rhys-Meyers e Johansson, mostrando que estão preparados para entrar no novo cenário de atores hollywoodianos mais cobiçados do momento, destacando mais ainda Johansson, que mostra seu talento e brilhantismo na película.

A trilha sonora é característica de Woody. Feita para dar densidade às cenas, é notável que ela fosse trabalhada peculiarmente para desafiar o expectador a querer desvendar o que está por vir, mesmo o enredo sendo previsível até certo ponto. O roteiro, sem diálogos extensos e fugindo de personagens neuróticos, típicos de Allen, apresenta-se longo demais, dando a sensação de que poderia ter sido menos redundante e ter dado um fim ao filme mais rapidamente, apesar de não causar tédio, prendendo o expectador até a última cena.

A filosofia do filme faz o expectador refletir sobre a sorte na vida das pessoas. Aborda as classes sociais e sua soberania, mas sem defender uma injustiça financeira. Julga o ser humano e suas ambições de vida, a capacidade que temos de almejar algo, e quando conseguimos, parece insuficiente e passamos a querer mais. Ataca a capacidade de as pessoas zelarem mais por si próprio que pelo próximo, sendo capazes de estourar os limites em benefício de si, e mostra, acima de tudo, que acasos e injustiças acontecem, passando muitas vezes despercebidas por nós. Com referências claras à obra Crime e Castigo de Dostoievski e a Ingmam Bergman, um dos diretores preferidos de Allen, só beneficiam no brilhantismo do roteiro, confirmando a competência do diretor em assumir produções dramáticas com a certeza de sucesso.

A afinidade entre a equipe usada para realizar o projeto é notável, aparentando descompromisso com as regras e mesmo assim resultando em uma película louvável. A liberdade que Woody tem dos seus produtores para escrever e dirigir um longa garante um resultado positivo, já que o diretor palpita em todos os detalhes da produção.

Depois de cinco indicações ao Globo de Ouro deste ano (sem nenhuma vitória) e uma indicação ao Oscar, percebe-se a injustiça plena com a película. Mesmo agradando a crítica norte-americana, parece que não foi desta vez que Allen atraiu a atenção dos votantes da academia do Oscar, pois Ponto Final foi indicado apenas na categoria de melhor roteiro original. Nem mesmo a consideração ao histórico do diretor rendeu aceitáveis indicações como melhor ator e melhor atriz coadjuvante, mas pelo que podemos imaginar, Woody Allen não ficou muito afetado com isso, pois já demonstrou descaso com a premiação do Oscar em outros anos. Durante sua carreira, recebeu 21 indicações ao Oscar, desde 1977, e, com certeza, muitas virão.

Imperdível, cativante e um ataque em muitos lados da sociedade, Ponto Final continua contando com a sensibilidade de Woody Allen e confrontando o que muitos preferem ver no cinema, pois é impossível sair indiferente do filme e sem refletir sobre o tema proposto. Enfim, só uma pessoa pode definir o filme melhor do que qualquer crítico:

“Penso que há uma enorme quantidade de injustiças e de crimes manifestos que se comentem diariamente em todos os extrados da sociedade… Que ninguém castiga, e com freqüência são recompensados muito generosamente (…) Assim, não acredito que meu ponto de vista seja cínico, mas que parte de uma perspectiva correta”. – Woody Allen.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

Compartilhe

Saiba mais sobre