Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 04 de maio de 2005

Psicose: uma pedida indispensável para todos que curtem o bom cinema

É o thriller número 1 de todos os tempos no AFI (American Film Institute), está entre os 25 mais votados no popular TOP 250 do IMDB, entre muitas outras importantes posições. É uma pedida indispensável para todos que curtem o bom cinema.

Clássico dos clássicos do cinema mundial. Psicose não é só um dos melhores filmes da história, mas também um dos mais plagiados, satirizados e ousados também. Partindo de uma premissa bem simples, o filme virou o marco que é por ter um segredo muito bem guardado, um roteiro que se desenvolve de maneira bem assustadora, atores inspirados conduzidos de maneira mágica pelo gênio Alfred Hitchcock e muito mais. Para mim, sua obra máxima.

A história é baseada em um livro de Robert Bloch e teve seu roteiro escrito por Joseph Stefano, sendo muito feliz na adaptação. Marion Crane é uma bela secretária de uma imobiliária. Certo dia, após seu patrão ter fechado um belo negócio e recebido 40.000 dólares em dinheiro, a loira dos olhos claros não resiste à tentação e rouba a quantia, a fim de conseguir viver com seu amante. Assim se tem início uma fuga da loira para que seu patrão e os outros não a capturem. Só que esse desenvolvimento não é como nos filmes atuais, cheio de perseguição, explosões e ação desenfreada, e sim é um minucioso desenvolvimento psicológico de Marion, onde você sente claramente tudo o que ela está sentindo, sejam pelas falas bem escritas ou pela perfeita direção de Hitch. As expressões de Janet falam por si só muitas das vezes.

O fato curioso é que, no meio da história, o filme troca de protagonistas. Marion deixa de importar para entrar em cena um dos personagens mais marcantes da história: Norman Bates (Anthony Perkins). Norman é dono de um motel de estrada deserto e cuida da mãe, que nunca o deixa se relacionar com outras mulheres, talvez pelo medo de perder o filho para uma moça qualquer. Só que o rapaz se importa, e muito, a ponto de fazer qualquer coisa para que a polícia não descubra um crime que sua mãe cometeu em um passado recente. É nessa parte que temos o brilhantismo e a profundidade do personagem trabalhado. Perkins convence a todo o momento, seu olhar cínico para os policiais, seu carisma, tudo faz com que nos identifiquemos com ele. E tudo contribui para a surpresa que o final do filme nos reserva.

O legal é que nenhum personagem do filme está lá gratuitamente, todos têm sua importância, mesmo que não seja de maneira tão clara. O amante, por exemplo, aparece só no início, mas no final ele retorna e tem uma importante participação no caso. O detetive dá um ponto de equilíbrio para o raciocínio dos personagens envolvidos na história. O policial que pára Marion serve para aprofundar ainda mais o estado psicótico dela. Enfim, nada é gratuito, nada é por acaso. Muito menos as cenas de suspense.

Psicose possui uma das cenas que considero dentre as três mais famosas da história do Cinema: o assassinato no chuveiro. A cena é perfeita. Desde o momento em que o assassino entra no banheiro até a parte final, em que a vítima fica com o rosto colado no chão, sem piscar, enquanto a câmera vai afastando de um lindo close, tudo funciona da maneira certa. Os cortes são usados de maneira rítmica. Ao mesmo tempo em que é desferida uma facada, há um corte. É uma dança de montagem, tudo perfeitamente acompanhado pelo clássico tema de Bernard Herrmann. Como curiosidade, o sangue que rola na cena, na verdade, é calda de chocolate, e os barulhos das facadas são, na verdade, facas sendo encravadas em melões. A ousadia também marca a cena: além de uma dublê nua em certos momentos (nada absurdo, tudo com a sutileza típica de Hitch), nesse filme é que foi pela primeira vez exibido um vaso sanitário nas telas, até então item proibido pela censura.

Outro fator curioso é que Psicose foi extremamente barato. Custou apenas 800.000 dólares e faturou mais de 40 milhões somente em bilheterias. Lógico, digo ‘apenas’ por causa dos padrões cinematográficos de orçamento, mas até para a época o custo foi baixo, mesmo se comparado a outros filmes anteriores de Hitch, como Um Corpo que Cai e Intriga Internacional, que custaram mais de 3 milhões de dólares cada. O custo foi muito bem utilizado, como o preço dos direitos autorais do livro (apenas 9 mil) e ter-se a participação de vários atores do show que Hitch tinha na TV. Orçamento não foi o motivo que levou o diretor a filmar em preto-e-branco, e sim porque ele achava que o filme ficaria sangrento demais à cores, o que acabou acontecendo com a recente refilmagem.

O tema criado por Bernard Herrmann já foi citado anteriormente, mas não é só da música que Psicose brilha na parte sonora. Claro, ela ajuda muito a manter o clima de tensão que quase sempre está presente, mas o som também é usado de maneira brilhante no aspecto narrativo. Além de criar totalmente um personagem, há momentos interessantíssimos que valem ser citados, como quando Maire está fugindo de carro. A imagem fica fixa no rosto da atriz, mas o som está em outro lugar, mais precisamente onde o chefe se encontra procurando a secretária em fuga. Ficamos vendo seu rosto, completamente alterado do estado normal, enquanto o som nos ambienta do que está acontecendo em outro lugar.

Recentemente, mais precisamente em 1998, o filme recebeu uma péssima refilmagem. Dirigida por Gus Van Sant (que não é um mau diretor), o remake peca em tudo o que pretendeu. Desde a personificação de Norman Bates, que aqui está caracterizado de uma forma que estrague tudo o que Hitch preservou em guardar segredo, Gus ainda usa exatamente todos os planos idênticos a versão de 1960. Ao invés de criar sua versão sobre o filme, ele apenas fez uma cópia barata, menor e dispensável. Transformou o clássico em um banho de sangue, além de estragar para muitas pessoas toda a surpresa que Hitch preservava em guardar (tanto que, em 1960, não era permitida entrar em uma sessão de Psicose após ela já ter tido início).

O filme também passou em branco na premiação do Oscar na época. Chegou a ser indicado para 4 estatuetas, de melhor diretor (prêmio nunca recebido pelo gênio em questão), atriz coadjuvante, fotografia e direção de arte. Nem a melhor filme chegou a ser indicado, uma das maiores injustiças das inúmeras que a Academia já cometeu. Pelo menos Janet recebeu o prêmio de melhor atriz coadjuvante no Globo de Ouro do ano. Mas vamos deixar as dores de cotovelo de lado, pois o filme supera tudo isso.

Talvez a única falha de Psicose seja justamente o finalzinho do filme, o final mesmo, os últimos instantes, que o torna auto-explicativo demais, quando não era necessário e todas as cartas da manga já haviam sido reveladas. Tudo o que era necessário para a compreensão de tudo o que houve na trama já havia sido dito. Mas não é um defeito grave, é apenas uma cena gratuita para os que não acompanharam as resoluções dos acontecimentos, nada que atrapalhe o resultado final da obra.

Psicose é tudo isso e mais um pouco. Poderia escrever páginas e mais páginas me desmanchando em elogios ao filme, mas não conseguiria dizer o quanto o aprecio. É o thriller número 1 de todos os tempos no AFI, está entre os 25 mais votados no popular TOP 250 do site imdb, entre muitas outras importantes posições. É uma pedida indispensável para todos que curtem o bom cinema.

Rodrigo Cunha
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