Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 28 de março de 2005

Rei Arthur (2004): um filme onde tudo dá errado

É impressão ou os produtores de hoje pensam que os telespectadores vão engolir qualquer mentira que eles inventarem?

Você já saiu do cinema com a sensação de que acaba de gastar dinheiro a toa e com vontade de pedir o investimento daquele dia de volta (ingresso, pipoca, refrigerante, estacionamento e etc)? Esse horrível “Rei Arthur” faz com que você tenha nojo de ir ao cinema. Eu só não me retirei da sala na metade do filme porque enfim, queria ver o tamanho completo dessa bola preta. De início, já é complicado mudar uma história tradicional, imagina transformar numa verdadeira pândega (que me permita o comentarista esportivo Alan Neto).

Durante séculos, historiadores consideraram Rei Arthur apenas um mito, mas a lenda baseava-se em um herói real, dividido entre suas ambições pessoais e o dever para com o povo. Líder relutante, Arthur (Clive Owen) quer apenas deixar a Bretanha e voltar para a pacífica e estável Roma. Antes que possa fazer isso, uma missão final o leva, juntamente com os Cavaleiros da Távola Redonda — Lancelot, Galahad, Bors, Tristan e Gawain — à conclusão que quando Roma cair, a Bretanha precisará de um líder — alguém não apenas para defender a terra das atuais ameaças dos invasores saxões (que são vistos como os cruéis, demônios, satanás), mas também para guiar a ilha no rumo de uma nova era. Sob a orientação de Merlin, um antigo inimigo, e com a linda e corajosa Guinevere (Keira Knightley, em um bom momento) a seu lado, Arthur terá que encontrar forças dentro de si mesmo para modificar o curso da história.

História interessante? Sem dúvida, eu concordo com você! Mas o desenrolar desta história e os erros absurdos de continuações fazem desse filme um dos piores do ano ao lado de “Mulher-Gato” e “No Pique de Nova York”. Vou citar apenas um trecho para você ter um pouco de noção de que tipo de erro estou dizendo: em uma determinada parte do filme passa um flashback de quando Arthur era criança e viu sua mãe sendo assassinada. Ele foge para o túmulo de seu pai para pegar sua espada que está encravada nas rochas. Em outro momento, Arthur mostrar a Guinevere o túmulo de seu Pai e ela pergunta porque não tem uma espada no túmulo. Arthur responde que seu pai não queria uma espada no seu enterro (já que é tradição um guerreiro ter uma espada cravada no túmulo), dizendo que ele era um homem de paz. Mas ele não tirou espada excalibur do túmulo de seu pai? Eu fico pensando: os produtores, diretor ou alguém da equipe assistiu ao filme? Foi de propósito se passar por lesado para o mundo todo? E ainda ter a audácia de dizer no início do filme que este foi baseado na “verdadeira história que inspirou a lenda”. Me poupe disso!

O roteirista David Franzoni afunda poço abaixo com este filme e faz com que este seja um prejuízo tão grande que é capaz de acabar com a carreira de muito gente (novatos, técnicos e etc). Ele fez ótimos roteiros como em “Gladiador” e “Amistad”, agora comete um erro tão grave em mexer onde não deve e tenta passar com que os fatos fossem verídicos. Que ridículo! Transformou Arthur no defensor dos fracos e oprimidos e ainda usa diálogos como: “Agora você está a salvo”. Num modelo bem americano de salvador da pátria (típico deles). Antoine Fuqua, que dirigiu “Lágrimas do Sol” e “Dia de Treinamento”, não lidera em nada no filme, porque quem manda na bagaça é o produtor Jerry Bruckheimer (“Um Tira da Pesada”, “Bad Boys”, “Piratas do Caribe”). Só não entendo como um produtor que tem tanto gabarito e que é dono da franquia C.S.I., conseguiu transformar o filme numa mistura de tudo de ruim que acontece em “Coração Valente” e “O Resgate do Soldado Ryan” (se é que existe algo de ruim nessas FANTÁSTICAS OBRAS).

Os atores estão todos ruins, sem exceções. Clive Owen (Arthur) passa a impressão de arrogante, bonzinho, mal-humorado, herói e possui uma cara fechada em 90% do filme. Não tem carisma algum, caso diferente de Keira Knightley, que faz a guerreira Guinevere. Guinevere, guerreira? É, Franzoni ficou louco. Lancelot (Ioan Gruffudd), Tristan (Mads Mikkelsen), Gawain (Joel Edgerton), Galahad (Hugh Dancy), Bors (Ray Winstone) e Dagonet (Ray Stevenson) completam a trupe do bem. Na parte do “mau” temos Merlin (Stephen Dillane) e Cerdic (Stellan Skarsgård). Um filme sem valor histórico (já que eles destruíram o que tinha de bom na lenda) faz com que nada dê certo. Alguns dos atores tentam até se superar como Keira e Stellan, mas o fato do filme ser tão ruim faz com que tudo desmorone.

A cenas de batalhas são incrivelmente ruins e mal feitas. Apenas as estratégias de batalha que Arthur usa no filme são interessantes. A repetição de figurinistas é absurda. Chega a dar medo e podemos comparar com a repetição proposital (neste caso) de “Shaun of the Dead”. O sentimento de que as batalhas foram sugadas de outras obras já lançadas faz com que você indague: o que eles fizeram além de inventar mentiras? Bem, há uma cena num lago congelado que faz com que você não esqueça o filme. Com “soldados” estrategicamente bem posicionados, Arthur dá um show de competência nessa batalha.

Se os cinemas não fossem tão desconfortáveis que fazem com que você se estique para que os outros possam passar na sua frente, eu dormiria com certeza absoluta. O interessante mesmo é que a sala lota mesmo o filme sendo tão fraco. O herói maior da Grã-Bretanha foi ofendido por Hollywood. Pegue seu suado dinheirinho e assista algo melhor! Passe longe desse abominável filme (se é que podemos chamar de filme)!

Jurandir Filho
@jurandirfilho

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