Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 03 de fevereiro de 2006

Segredo de Brokeback Mountain, O

O tão badalado “O Segredo de Brokeback Mountain” finalmente chega por aqui, trazendo uma história de amor que não poderia acontecer em um contexto mais inoportuno.

Jack e Ennis são dois caubóis americanos do início da década de 60, que são contratados para trabalhar juntos como pastores de ovelhas num local afastado da montanha Brokeback. Os dois passam a conviver e desenvolver um companheirismo, porém, talvez pelo contexto de isolamento em que se encontravam, ou mesmo devido a uma coisa que já existia antes em cada um deles, acabam iniciando uma relação homossexual, o que era extremamente mal visto e inaceitável na época e local onde se passam a história.

A temporada de trabalho termina e os dois se separam para tocar suas vidas. Ennis se casa e logo tem duas filhas enquanto Jack, depois de passar um tempo tentando seguir seu sonho de virar um grande caubói de rodeios acaba fazendo o mesmo e se casando também. No entanto, os dois homens voltam a se encontrar apenas para descobrir que a paixão que começou em Brokeback ainda existia, mas não podiam desistir da vida que tinham construído para assumir esse relacionamento. Jack e Ennis passam mais de 20 anos se encontrando escondidos, enquanto tentam levar uma vida normal aos olhos das outras pessoas. A sociedade conservadora da época jamais aceitaria a relação dos dois e isso os preocupava de tal forma, que nenhum deles – Ennis principalmente – consegue ser forte o bastante para enfrentar as conseqüências que viriam se resolvessem assumir um ao outro.

A primeira consideração relevante a ser feita sobre o filme é que ele contém a característica e a marca do diretor Ang Lee, ou seja, é permeado de sensibilidade e sutileza, que transparecem nos pequenos detalhes. As locações do filme são algo espetacular, principalmente as que envolvem as cenas passadas na montanha.

Os atores, relativamente novos, superam as expectativas em termos de caracterização do personagem. Os dois protagonistas incorporaram muito bem os seus papéis, principalmente Heath Ledger, que deu o tom exato ao caubói Ennis, medindo a sensibilidade e o lado rústico do personagem, além de ter adquirido o sotaque sulista dos EUA sem ficar parecendo caricato, erro que muitos atores cometem. Heath está merecidamente indicado ao Oscar de melhor ator. As atrizes que interpretam as esposas os protagonistas também estão bem. Michelle Williams, mais conhecida por integrar por muito tempo o elenco do seriado teen “Dawson´s Creek” faz a mulher de Ennis – que chega a descobrir o romance secreto do marido – e Anne Hathaway interpreta a esposa de Jack.

O filme acerta em vários aspectos, é verdade, mas vindo com o peso de oito indicações ao mais famoso prêmio do cinema, o Oscar, ele reforça a minha teoria particular de que todo ano a tão prestigiada Academia escolhe uma produção para supervalorizar. “O Segredo de Bokeback Mountain” é, sem dúvida, um filme notável, mas para a publicidade que vem tendo até agora, o espectador vai assisti-lo esperando algo de excepcional, o que ele não chega a ser.

A trilha sonora – uma das categorias em que o filme foi indicado ao Oscar – é apenas boa. Nada de um trilha incidental espetacular, apenas adequada, quiçá medíocre. O foco está mesmo na história que – essa sim – é belíssima. Para apreciá-la, porém, o espectador deverá assistir ao filme despido de qualquer preconceito. Brokeback, inclusive, traz uma trama quase atemporal. Antes de ser tratar de um relacionamento homossexual, o filme narra uma história de amor impossível de se concretizar.

O padrão comercial de “princípio/meio/fim” não se aplica adequadamente nesse filme. A história se desenvolve durante muito tempo e o roteiro não é feito de momentos perfeitamente equilibrados de altos e baixos. A trama está mais perto da realidade ao transcorrer em um ritmo mais real, mais humano até. O desfecho não traz a solução para todos os conflitos levantados no decorrer da história e está longe de se enquadrar aos padrões “felizes para sempre”. “O Segredo de Bokeback Mountain” é um filme denso, feito mais para causar algum tipo de reflexão do que para o deleite do público.

O saldo final é, de fato, muito positivo, porém, repito: “O Segredo de Brokeback Mountain” está sendo supervalorizado em alguns aspectos, o que, no entanto não tira seu mérito como um todo. Ang Lee mostra que continua em forma trazendo mais uma vez a nós uma bela história que merece ser conferida.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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