Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 31 de outubro de 2005

Senhor das Armas, O

Quando não se espera nenhuma estréia de qualidade, fora dos parâmetros comuns do cinema americano, um filme com conteúdo e entretenimento cai do céu. Digo, nas telas. É o caso de “O Senhor das Armas”. Nicolas Cage acerta mais uma vez e marca presença em um filme ousado, dinâmico e polêmico.

Particularmente, quando assisto a um filme, não me concentro tanto nos detalhes técnicos, como fotografia, sonoplastia, continuidade… Certamente, esses são critérios importantes no julgamento de uma produção. Mas eu acredito que nos dias de hoje, difícil não é ter técnica. Difícil é ter feeling. É emocionar e causar identificação. Logo, um bom diretor vai alcançar isso através de um bom roteiro e de boas técnicas.

Sendo assim, fui com esse espírito assistir “O Senhor das Armas”. A princípio, quando ouvi o nome do filme, imaginei algo de ação. Depois soube que tinha o Nicolas Cage e Jared Leto no meio. E fiquei curiosa. Finalmente, descobri que o filme tratava do comércio de armas – um tema bem contemporâneo, já que o filme estreou aqui no Brasil uma semana antes do Referendo.

Nicolas Cage interpreta Yuri Oslov, que deixou a União Soviética com a família para viver nos EUA como judeus, trabalhando em um restaurante nada requintado. Certo dia, cai uma ficha na sua cabeça: ganhar dinheiro com o comércio de armas. Rapidamente, ele começa a se informar sobre o mercado e faz uma parceria com seu irmão Vitaly, interpretado por Jared Leto. Tudo parecia ir bem. Subornos, vendas ilegais, negócios sujos com os Exércitos estrangeiros…

Porém, algumas coisas começam a dar errado. Vitaly não tinha a carne tão forte quanto a do irmão, e logo se envolve com drogas e sai do negócio. Yuri assume ir em frente sozinho, desafiando quem se opõe em seu caminho, principalmente um agente da Interpol chamando Jack Valentine, papel de Ethan Hawke, que não pretendia ser subornado e seguia a lei rigorosamente, mesmo quando ela ia contra suas vontades e certezas.

O filme foca em Yuri. Não necessariamente no comércio das armas, não chega a ser algo sensacionalista. Obviamente, seu trabalho era o centro da sua vida, mas o filme mostra outros detalhes da mesma, que acabam servindo de extensões de como esse ofício monopolizava e afetava a tudo e a todos ao seu redor. Yuri tinha um grande amor. Depois de muito custo, ele acaba casando-se com a modelo Ava, e tem um filho com ela. Ava não perguntava nada a Yuri, e assim o casamento fluía bem, contando que não lhe faltasse luxo.

Yuri amava a família, mas o negócio com armas era muito arriscado e ele era uma peça fundamental na engrenagem de distribuição de armas ilegais. Sendo assim, não era tão fácil sair.

O mais engraçado de tudo é que a lei o prendia e a lei o soltava. Policiais como Valentine sabiam o grave delito que ele estava cometendo, mas seus superiores queriam, e cuidavam, que Yuri Oslov continuasse comercializando ilegalmente.

O país que recebeu uma atenção especial no filme foi a África, principalmente na Serra Leoa. Guerrilhas eram iniciadas com as armas que Yuri vendia. A democracia era mantida na base bélica. Crianças desde cedo aprendiam a usar fuzis. Yuri sabia disso tudo, mas ignorava na sua cabeça dizendo que isso não era da sua conta. Ele apenas fornecia armas para os outros poderem se defender.

O filme todo trás vários questionamentos. Mostra o desenrolar de situações que acontecem realmente no mundo real. Contradições. Controvérsias. Injustiças. A violência como algo prazeroso e vital. Com certeza, “O Senhor dar Armas” é um filme que fotografa essa época que vivemos, pelo menos em parte. É um filme que deve ser visto e discutido. E que deve causar indignação.

Assim como “O Jardineiro Fiel”, ele trás a realidade através de uma história de ficção. E aliás, nem tão ficção assim, já que o filme foi baseado em fatos reais. Nem tão ficção assim, já que ele finaliza com afirmando que os cinco países que mais comercializam armas ocupam os cinco cargos permanentes na ONU, que supostamente atua em prol da paz mundial.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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