Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 20 de abril de 2005

Shrek (2001): uma baita animação para quebrar os paradigmas

Em diversas partes do filme ele nos faz refletir sobre várias coisas que o ser humano faz, como quanto ao julgamento de certas coisas pela aparência (lembra muitos os desenhos da Disney, não?).

Quem disse que um desenho animado por computador não pode fazer sucesso entre o público e a crítica? “Shrek” chegou com o status lá em cima depois do estrondoso sucesso nos Estados Unidos e com êxito em várias “competições” das quais ele participou. Este longa é mais capítulo da batalha e rivalidade entre a Dreamworks e a Disney pelo trono do gênero animação. Sinceramente, “Shrek” é bem melhor que muitos filmes recentes da Disney, que, por sinal, está com uma dor-de-cabeça desgraçada com seus sucessivos fracassos no cinema.

De início, você pensa que será mais um conto baseado em histórias que a Disney costuma adotar. Aparece um livro com história de conto de fadas sendo folheado. Logo mais o nosso herói, Shrek (na voz de Mike Myers), rasga uma folha do livro e usa para limpar-se depois de fazer necessidades. Shrek vive em um pântano isolado em que, de vez em quando, aparecem caçadores (o nosso Ogro adora assustá-los) querendo capturá-lo. Em outra parte da floresta algumas pessoas estão vendendo alguns personagens de contos antigos como: Pinóquio, Os Três Porquinhos, Peter Pan, Os Sete Anões, Chapeuzinho Vermelho etc. Um desses personagens é o Burro Falante (na voz de Eddie Murphy), que se recusa a falar na frente de seu comprador. Por acaso do destino, uma fada (Sininho de Peter Pan) derrama um pó mágico sobre ele e o burro acaba conseguindo voar.

Em sua fuga, ele dá de frente com Shrek. O Burro tenta logo fazer uma amizade com o tal Ogro, mas não consegue, já que Shrek é do estilo solitário. Até que o Ogro resolve voltar para sua casa e acaba tendo uma visão do ‘inferno’: todos os personagens de contos de fadas estão em seu pântano. Lord Farquaad (na voz de John Lithgow) jogou todos os arrasa-quarteirões da Disney no pântano de Shrek. Para recuperar a paz em seu lar ele terá que fazer um grande favor ao vilão: salvar a princesa Fiona, que está em um castelo abandonado, guardado por um Dragão. Isso tudo na companhia do divertidíssimo Burro Falante, que não terá papas na língua para “encher o saco” de Shrek.

Jeffrey Katzenberg, responsável pelos desenhos na Dreamworks, criou o estúdio junto com Steven Spielberg e Geffen, quando saiu brigado com Disney, onde foi justamente responsável pelo renascimento desse tipo de filme (“A Pequena Sereia”). Eventualmente saiu brigado com o chefe da Disney, Michael Eisner, que acabou sendo caricaturizado no personagem do Lord Farquand, que é um anão feio e rabugento. Existe, além desta, várias outras gozações com a Disney, desde o fato de o vilão ser muito baixinho, até o castelo com uma recepção cantada (que é logo ignorada por Shrek), caricaturas dos antigos desenhos (não completamente fiel por causa dos direitos autorais) e pela própria concepção do filme, que é basicamente um anti-conto de fadas.

Talvez o filme tenha agradado tanto porque segue um padrão inexplorado pela Disney, que sempre seguiu tradições passadas e acabou ficando ultrapassada para o atual contexto cinematográfico. “Shrek” é uma prova de que, com personagens carismáticos (mesmo sendo feios) e um enredo engraçadíssimo, consegue-se quebrar fronteiras. É tanto, que o faturamento de 482 milhões ao redor do mundo fala por si só. Um Ogro solitário, um Burro falante, Um Vilão Anão e uma Princesa que guarda um grande segredo. Elenco melhor do que qualquer novela das oito. Sem contar os coadjuvantes como um Dragão do sexo feminino e a infinidade de personagens dos contos de fadas.

Em diversas partes do filme ele nos faz refletir sobre várias coisas que o ser humano faz, como quanto ao julgamento de certas coisas pela aparência (lembra muitos os desenhos da Disney, não?). A maior lição do filme é sobre isso, no qual mostra que às vezes uma aparência feia consegue ser delicada e sensível em seu interior. Ou até um amor impossível entre Shrek e a princesa. No final das contas, a Dreamworks quis tanto criticar a Disney que acabou fazendo várias coisas que esta usa em seus filmes. Pelo menos prova que a empresa não tem um ódio tão grande para com a Dinsey, mas tem uma opinião que o estilo de contos está saturado e nada melhor do que fazer uma tiração de sarro com isso.

O filme esta disponível nas versões dublada e legendada. Preferencialmente escolha essa segunda, por causa das vozes originais. Vale a pena escutar e apreciar o desempenho vocal de atores como Mike Myers, que é bem melhor usando sua voz do que atuando, e Eddie Murphy que está em um de seus melhores momentos como o Burro Falante. Alguns conhecidos “Oh Yeah” apareceram, já que este é tipo um jargão conhecido do sem graça Austin Powers, principal personagem que Mike Myers interpretou. Por mais que seja esforçado, a voz brasileira do Shrek é de Bussunda, do Casseta e Planeta (que é semelhante ao Ogro até na aparência), que infelizmente não consegue ter o mesmo resultado de Mike Myers no original.

Outro detalhe que vale a pena comentar é a trilha sonora. Felizmente não é aquela coisa melosa ou infantil que a Disney costuma colocar em seus filmes, apesar ser muito bem vinda algumas poucas músicas do gênero. A Dreamworks adotou uma coisa mais hardcore, já que o seu filme é mais hardcore. A música “I’m a Believer”, originalmente cantada por Smash Mouth, dá um show e agita todo mundo que está assistindo ao filme. Principalmente quando vemos o Burro Falante (Eddie em estado de graça) cantando. Aliás, o Burro canta outras músicas durante o filme, o que deixa Shrek irritado. É como uma paródia com os filmes musicais da Disney. Muito bem bolada.

“Shrek” foi o grande vencedor do prêmio Annie, concedido pela Sociedade Internacional de Filmes Animados, na cidade de Glendale, EUA. O longa foi escolhido por Melhor Direção, Roteiro, Efeitos de Animação, Design, Montagem, Música e Voz Masculina (Eddie Murphy). No Festival de Cannes, ele foi à primeira animação a concorrer Palma de Ouro, depois de 27 anos (o último havia sido “O Mundo Selvagem” de 1974). Outra façanha que “Shrek” deixou marcada foi quando ganhou o Oscar de Melhor Animação, desbancando o divertidíssimo “Monstros S.A” da Disney e Pixar.

O filme custou US$ 60 milhões e teve um faturamento em pouco mais de U$ 482 milhões em todo mundo na venda de DVD, VHS e produtos ligados a “Shrek”. Em entrevista, Jeffrey Katzenberg disse que a divisão de animação da empresa esperava conseguir o tipo de arrasa-quarteirão que gera seqüências, vendas de brinquedos e outros produtos secundários. Parece que a produtora o conseguiu com “Shrek”.

Este longa faturou mais do que “O Príncipe do Egito”, “Formiguinhaz” e “A Fuga das Galinhas” (todos produzidos pela Dreamworks). Cada um desses três rendeu aproximadamente US$ 100 milhões em bilheterias nos EUA. O pessoal da Universal Studios Home Video tem motivo para comemorar, o filme, em DVD, vendeu 2,5 milhões de unidades em apenas três dias, quase metade de toda remessa inicial para distribuição prevista, gerando renda para o varejo de aproximadamente 110 milhões de dólares. Assombroso, não? Fazia tempo que não era lançado um arrasa-quarteirão que conseguisse tal êxito.

Jurandir Filho
@jurandirfilho

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