Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 24 de fevereiro de 2006

Terra Fria

Com um começo calmo e sem muitas explicações do que de fato está acontecendo, você acaba nem vendo quando se envolve de vez com o filme. Ele tem uma condução perfeita e envolve quem o assiste do começo ao fim. Terra Fria merece o título de excelente filme.

Em uma sociedade reconhecidamente machista é complicado se ter uma mulher em cargos que, anteriormente, eram exclusivos dos homens. Quando uma consegue um patamar bem alto, podem ter certeza de que essa pessoa batalhou muito mais do que um homem. Dentre coisas normais que se devem passar ao chegar em um lugar de prestígio, as mulheres ainda são submetidas a prática mais chata que uma pessoa pode receber: o preconceito. Seja ele qual for, como for e aonde for. Mesmo que a pessoa que está sendo atingida por essa ilegalidade rude faça vista grossa, com certeza, algo está sendo sentido. Algo que não tem motivo algum de ser elogiado. De fato, um sentimento inexplicável. Sabe aquele ódio que você tem que simplesmente aceitar, se não todo o seu esforço é jogado fora? É isso… ou pior.

“Terra Fria” gira em torno do tema preconceito contra as mulheres. No começo, somos apresentados ao filme de forma calma, sem saber que o desenrolar está por vir. Nele, Josie Aimes (Charlize Theron, vencedora do Oscar de Melhor Atriz por "Monster"), tem uma vida a par da que estamos acostumados a ver por aí. Nenhuma santa, isso é verdade, mas que passou por muitas coisas as quais poucas pessoas sabem o quanto deve ser ruim. Só de se imaginar passando pelo que ela passa, já temos um motivo para ficarmos atados a projeção. Josie é uma mulher determinada, que não aceita mais ser sustentada por um marido que a espanca e resolve ir para a casa dos pais. Por uma amiga, fica sabendo que a mina da cidade está contratando mulheres. Como a procura é pouca, pois é um dito trabalhão masculino, a aceitação no emprego se torna fácil. Além do mais, o salário é o suficiente para sustentar seus dois filhos e ainda ter uma diversão. Porém, para chegar ao fim do mês e receber o que tem direito, a protagonista tem que passar por muito mais do que horas de trabalho, afinal, Josie por não aceitar o errado, acaba sendo veementemente caçada pelos companheiros de trabalho, os quais de forma alguma aceitam uma mulher fazendo o mesmo que eles e ganhando tão quanto. Inclusive seu pai, Hank (Richard Jenkins, de “Dança Comigo?”).

A condução do filme é uma coisa maravilhosa. A trilha sonora, as atuações e o cenário, tudo ajuda na criação de um clima que envolve o expectador quando ele menos espera. Você começa a assistir e, quando percebe, já se passaram 123 minutos de projeção. A mão perfeita da direção de Niki Caro é límpida. O filme demonstra uma linearidade que leva para o leitor um sentimento de estar dentro do que acontece e facilmente cria nele a expectativa de querer saber o que estar por vir sem querer ficar adivinhando, mas aceitando o que o filme vai mostrando aos poucos e sempre na hora certa.

A temporalidade da trama também é perfeita. Inicialmente, a história é um flashback e sabemos disso pelas poucas vezes que a narradora é mostrada – no caso, Josie que está em um julgamento por ter processado a empresa na qual trabalhou -, contudo, repentinamente o flashback se mistura com o atual e o filme toma o rumo final da forma mais envolvente possível. O atual é mostrado e, como todos nós já vimos a história de vida da protagonista, nos tornamos aliados em seu caso que está sendo julgado. É uma sensação deveras maravilhosa, que poucos filmes fazem e, quando tentam, erram feio, deixando o final totalmente premeditado.

Com uma atuação primando a perfeição, Charlize Theron, encanta os olhos mais ávidos. Lógico, nem tudo é maravilha, mas o olhar, a forma de falar de se apresentar, cativam por demais. Tudo bem que, a condução do filme ajuda a gostarmos da personagem, entretanto não é nada fácil fazer o que a grande atriz fez. De fato, o elenco é uma coqueluche. Nele desfilam ótimas interpretações de Sean Bean, que gradativamente nos faz esquecer que foi o Boromir de “O Senhor dos Anéis” por conta das simples, mas eficientes interpretações; Frances McDormand, de “Quase Famosos”, que com a personagem Glory é explorada da forma certa e atinge a meta quando é necessitada uma ótima presença de cena; Richard Jenkins (“Dança Comigo?”), quando requisitado para coisas mais difíceis, faz bonito; e, dentre os mais analisáveis, os dois garotos que fazem os filhos da protagonista, ótimos (principalmente a mais nova).

Como todo bom filme, a trilha sonora não pode passar em branco. À medida que o filme vai se desenrolando ela vai ficando mais tensa ou melosa e reflete o que a cena está nos passando. Sem falar que tudo isso é feito com músicas muito boas (não, não é obvio, pois se pode usar músicas ruins, mas que se misturando a cena, se tornam legais), dignas de terem um CD a ser comprado.

Dentre tantas coisas que o filme aborda, como a luta de classes, o fato de querer fazer o que aparentemente não parece estar ao alcance, o principal é o preconceito contra as mulheres e ele é demonstrado de várias formas. Eu fiquei com raiva diante de certas coisas a que fui submetido a ver, pois nenhum ser humano merece ser julgado pelo sexo, cor, conta bancária e etc. De certo, nós somos todos iguais, até mesmo os crápulas machistas que perdem tempo infernizando a vida das mulheres, vai que um dia eles se tocam e começam a agir de uma maneira mais correta.

Finalmente, todos sabemos bem, até o mais alienado, o quanto ser diferente causa preconceito, mas convenhamos que ser mulher, não é ser diferente. Quem disse que o homem é melhor? Quem disse que o homem tem sempre que ser o melhor? O filme deixa bem claro que o machismo é podre e somos inervados pelas atrocidades as quais passa a protagonista. Quem for machista, por favor, repense seus princípios de vida, pois de animais inescrupulosos o mundo já está transbordando e, sinceramente, nem o mundo nem ninguém precisam desse tipinho.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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