Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 17 de outubro de 2005

Vanilla Sky

Um filme num céu de baunilha. Vanilla Sky é isso. Um filme contado pela sutileza. Um filme num simples céu de baunilha. Um filme no qual os pequenos detalhes são os ingredientes principais. Tudo muito bem pensado e planejado pelo diretor Cameron Crowe.

O longa-metragem, de 137 minutos, é uma refilmagem de "Preso na Escuridão", filme espanhol de Alejandro Amenábar, o mesmo diretor de Os Outros e do vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro deste ano, Mar Adentro.

Em Vanilla Sky (Vanilla Sky, 2001), Tom Cruise vive o personagem David Aames, um playboy boa vida que herdou uma grande editora do pai. Sua vida de mulherengo parece chegar ao fim quando se apaixona por Sofia Serrano, interpretada por Penélope Cruz. Entretanto, logo no primeiro ponto de virada do roteiro, sua vida muda completamente. Ao sair da casa de Sofia, David encontra sua amiga-amante, Julie Gianni, personagem de Cameron Diaz. Julie o convence a entrar no carro para conversar e, numa seqüência angustiante, declara seu amor e sua indignação por ser só uma “amiga de cama”. Frustrada, joga o carro de um viaduto com os dois dentro. Ela morre. Ele tem o rosto desfigurado. Daí para a frente, o filme torna-se um mistério. Flashbacks (ou não), ilusões (ou não) e sonhos (ou não) de David.

O roteiro é muito bem cuidado. Nada ficou para trás. Tudo muito bem resolvido. As atuações são boas. Cameron Diaz foi indicada ao Globo de Ouro na categoria Melhor Atriz Coadjuvante. Tom Cruise – que já havia trabalhado com Cameron Crowe em Jerry Maguire – desempenhou sua melhor atuação (talvez não melhor do que no sensacional Negócio Arriscado de 1983). Penélope Cruz, apesar da indicação ao Framboesa de Ouro como Pior Atriz, não decepcionou, interpretando, uma personagem que foge do estereótipo de mulher latina, sexy e envolvente.

Mas não é somente o roteiro e os atores que tornam este um maravilhoso filme. São, sim, os cuidados com os detalhes. O próprio nome do filme é pensado de forma muito inteligente: Vanilla Sky, que em português significa Céu de Baunilha. Uma alusão ao céu que David, inconscientemente, criou como realidade; o céu de seu quadro preferido. E isso está muito bem colocado no filme, mas, deliberadamente, feito para que só nos demos conta no final, quando o protagonista descobre a razão de todo seu tormento psíquico-amnésico. O céu de baunilha de David aparece pela primeira vez quando ele morre, passando a viver seu eterno sonho, onde decide como quer que seja sua “vida”.

Outro detalhe fundamental e magistralmente bem encaixado na película é quando David descobre que matou Sofia e não Julie. Na linguagem do roteiro cinematográfico, um típico caso de “recompensa” (destacada pela ótima direção de Cameron Crowe). O personagem de Tom Cruise, ao asfixiar com um travesseiro a mulher durante o sexo, no ápice da loucura, não sabe se matou Sofia ou Julie. Ainda com o travesseiro sobre o rosto da amante, David, numa cena de uma sutilidade inimaginável, afasta o braço esquerdo da barriga da mulher. É, então, que observa um sinal. O sinal de Sofia. O sinal que David, em um breve plano durante o filme, havia dito que gostaria de ser. Esse breve e discreto plano foi o suficiente para que o espectador entendesse de imediato porque David afastava lentamente o braço: ele tentava identificar sua amada Sofia por um pequeno sinal na barriga. A “recompensa” fica por conta da gratificação do público em ter prestado atenção na única e rápida vez em que a pinta aparece e, assim, entender a cena em que David descobre que matou seu eterno amor.

Com uma trilha sonora também impecável (foi indicado ao Oscar e ao Globo de Ouro por melhor Canção Original), Vanilla Sky é isso. Sutil, feito de pequenos detalhes, pequenos sinais bem marcados ao longo do filme. Um soco no estômago, sim, pela sua história, sua mensagem, seus conflitos e dramas. Mas um soco dado com leveza. Um soco dado com Vanilla.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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