Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 28 de março de 2005

Vila, A

Quem nunca sentiu medo? Muitos dizem que quem não sente medo não vive. M. Night Shyamalan aposta nesse sentimento e consegue um resultado confuso para alguns e interessante para outros.

Eu costumo sempre ler algo para inspirar nas minhas críticas quando o filme em si trata de sentimentos. É sempre bom dar uma lida em algum livro ou relembrar partes interessantes em obras que existem espalhadas em todas bibliotecas. Isso faz com que minha idéia seja mais rebuscada ou até mesmo que ela consiga passar um ensinamento interessante para o leitor que dedica alguns minutos para ler uma "opinião" diferente das que estão espalhadas pela net, revistas ou jornais.

Desta vez decidi fazer diferente: não li nada. Nenhum livro, nenhum texto perdido ou artigo de jornais / revistas. Acho melhor falar de experiências próprias já que estamos comentando neste filme um dos sentimentos que mais podem enlouquecer (exceto o amor): o medo. Quando eu era criança (aos 10 anos mais ou menos) eu tinha medo do escuro. A fertilidade da imaginação faz com que você crie monstros que na verdade não existem. Um monstro que não tem rosto, mas que existe para você e que adultos não entendem. Quem nunca teve medo do escuro? Desde o dia que decidi enfrentar o escuro e consegui perceber que aquilo não passa de uma criação imaginária, minha vida mudou de fisionomia. Lembro que aqui no Ceará as pessoas falavam que existiam as seguintes lendas: a 'Perna Cabeluda' (um monstro que era uma perna de um homem e bem peluda que se escondia no 'mato'), a 'Loira do Banheiro' (essa sempre estava esperando você nos banheiros escuros) e o 'Macaco do Coqueiro' (aquele que ficava pulando dos coqueiros na velocidade de gatos, mas apenas vigiava você). Quem for da nossa terrinha vai reconhecer e lembrar de pelo menos um desses nomes citados (quem não for, comente em nosso fórum algumas lendas do seu estado e/ou cidade).

M. Night Shyamalan que é o criador de suspenses e reviravoltas mais interessantes dos últimos anos, quis mostrar com esse filme a idéia de como as pessoas podem ser manipuladas pelo medo. Afinal, no filme "O Sexto Sentido" ele abordou a presença de espíritos nas nossas vidas e fez desse filme o que tem a maior reviravolta em seu final que já vi nas telas grandes (empatado com o filme "Os Outros"). Medo! Muita gente tem medo de espíritos. Na maioria das vezes por falta de conhecimento espiritual e por lendas criadas, batidas e exploradas na vida real e na ficção (filmes). No filme "Os Sinais" ele conseguiu manter um ritmo eletrizante com as aparições de extraterrestres em um clima fantástico. O final ficou a desejar, mas o conteúdo do filme foi bem explorado. Mexer com o inanimado atiça a imaginação do cinéfilo. Mais uma vez ele faz isso no muito esperado e falado "A Vila".

Em 1897 uma vila parece ser o local ideal para viver: tranqüila, isolada e com os moradores vivendo em harmonia. Porém este local perfeito passa por mudanças quando os habitantes descobrem que a floresta que o cerca esconde uma raça de misteriosas e perigosas criaturas, por eles chamados de "Aquelas de Quem Não Falamos". O medo de ser a próxima vítima destas criaturas faz com que nenhum habitante da vila se arrisque a entrar na floresta. Apesar dos constantes avisos de Edward Walker (William Hurt), o líder local, e de sua mãe (Sigourney Weaver), o jovem Lucius Hunt (Joaquin Phoenix) tem um grande desejo de ultrapassar os limites da vida rumo ao desconhecido. Lucius é apaixonado por Ivy Walker (Bryce Dallas Howard), uma jovem cega que também atrai a atenção do desequilibrado Noah Percy (Adrien Brody). O amor de Noah termina por colocar a vida de Ivy em perigo, fazendo com que verdades sejam reveladas e o caos tome conta da vila.

Com o medo em relação "Aquelas de Quem Não Falamos" as pessoas ficam submetidas ao um regime fechado. Não podem sair da vila, não podem atravessar a fronteira desta com a floresta e não podem, de forma alguma, pronunciar o nome e a cor que essas criaturas não gostam e muito menos possuir essa cor na vila (seja em flores, roupas, casas ou frutas). Pronto! Agora tente imaginar o que acontece quando um dos moradores da vila ultrapassa o território e têm em seu poder pequenas amoras com a cor proibida. Animais começam aparecer mortos e com a pele arrancada, manchas nas portas aparecem como aviso da violação do pacto e o caos começa a ser criado.

Joaquin Phoenix (“Os Sinais”, “Gladiador”) está numa atuação regular, até porque, exige pouco do seu talento neste papel. Ele é de um dos principais da trama, o tímido Lucius. Bryce Dallas Howard está boa no papel da cega Ivy Walker. É notável a dificuldade que é interpretar uma deficiente visual, afinal, expressar uma deficiência naturalmente é bem complicado. Uma pena que às vezes ela transpareça ser uma pessoa que não possui cegueira. Adrien Brody consegue ser o destaque do filme por várias cenas no papel do deficiente mental Noah Percy. Ótima atuação e bem convincente deste que ganhou o Oscar de melhor ator por "O Pianista". Temos ainda Edward Walker (“Inteligência Artificial”), que faz William Hurt, o líder da vila e Sigourney Weaver (“Alien”) que faz Alice Hunt, membro do conselho local e mãe de Lucius.

O filme tem tudo para conseguir agradar a todos, não é verdade? Sem dúvida, mas um problema grande prejudicou não só esse filme, mas o filme "O Sexto Sentido". Se você conseguir matar a charada desde o início, ele se torna chato e cansativo. O segredo eu não revelarei, óbvio, mas dá para perceber. Para quem conhece as artimanhas de Shyamalan sabe o que esperar. O clima de suspense poderia ser melhor aproveitado. Às vezes chega parecer um drama ao invés de suspense. Se você conseguir matar esta bendita charada, o decorrer do filme fica sem graça. Até mesmo sem saber, quando a hedionda lenda é aberta o filme acaba perdendo o brilho totalmente. Dejavú? "Os Sinais"?

O roteiro possui centenas de furos. Um dos exemplos mais básicos é a dos membros do conselho que colocam a culpa das mortes dos animais da cidade em coiotes. Ora bolas, como que coiotes conseguem retirar a pele de animais com maestria ou assinalar listras vermelhas em portas? Vai entender. Cuidado para não sair do cinema com a idéia de que foi um dinheiro mal investido. Conhecendo M. Night Shyamalan você tem os seguintes lados para escolher: ou você adora o filme ou odeia mortalmente. Esse segundo é bem mais fácil de acontecer devido às circunstâncias hediondas criadas na tal "lenda" e principalmente nas grandes falhas do roteiro.

Jurandir Filho
@jurandirfilho

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