Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 09 de abril de 2005

Violação de Privacidade

Tudo é morno. Não há clímax. Você não vê a hora de acabar por causa da falta criatividade da direção. O roteiro funciona, mas poderia acontecer algo a mais que gerasse expectativa. Nem Robin Williams salva.

Quando comecei a ver informações sobre esse novo trabalho de Robin Williams, fiquei curioso. De fato, é um tema que chama a atenção: editar a memória das pessoas. Você já imaginou se alguém pudesse ver tudo o que você fez em toda sua vida numa tela e poder deletar todas as cenas ruins que aconteceram no decorrer da sua vida? Estranho? Irreal? Sim, lógico. O filme mostra esse tema de uma forma simplória, o que deixa nossa cabeça confusa quanto à teoria e dificulta mais ainda a crença de que isso poderia realmente acontecer. O bom da ficção científica é tentar convencer o cinéfilo que de que tudo que está acontecendo no filme pode realmente acontecer na vida real. Essa missão de convencimento é complicada. Tarefa difícil. Muitos conseguem, mas esse filme não conseguiu, nem um pouquinho.

No filme, algumas pessoas possuem em seu cérebro um implante de memória, comprado por seus pais antes mesmo de nascerem, que registra todos os fatos ocorridos em sua vida. Após sua morte este implante é retirado e, com o material nele existente, é editado um filme sobre a vida da pessoa, que é exibido em uma cerimônia póstuma chamada Rememória. Alan Hakman (Robin Williams) é o melhor montador de filmes para a Rememória em atividade, usando seu talento para preparar filmes que concedam a absolvição ao morto em relação aos erros por ele cometidos em vida.

Por se dedicar ao trabalho, Alan se torna uma pessoa distante e incapaz de viver sua própria vida. Ele se considera uma espécie de "devorador de pecados", acreditando que seu trabalho seja um meio de perdoar os mortos e que, de alguma forma, este perdão também chegue para ele próprio. Porém, quando busca por material em um implante para a Rememória de um diretor da empresa que fabrica os chips, Alan encontra a imagem de uma pessoa que marcou sua infância. É quando Alan decide iniciar uma busca pela verdade sobre esta pessoa, em uma tentativa pessoal de conseguir sua redenção por um erro do passado.

Sem falar da teoria tecnologica do implante, o que mais me incomodou foi a cara de pau dos editores de memória em extrair tudo de ruim que a pessoa que faleceu fez e só deixar as coisas boas. É como se ela só tivesse vivido perfeitamente. E os erros? As bobagens da vida? Os crimes? As intrigas? Os vícios? Tudo fica de lado na edição. Tanto que, durante o filme, podemos ver os protestantes questionando justamente disso. Tudo bem que os editores em si, não podem levar culpa disso, já que é trabalho. Independente de tudo é trabalho. Seria como um advogado não defender um assassino ou um médico não tratar um pedófilo. Faz parte da profissão. Se ela exige isso, tem que ser feito. Mas chega a ser desumano. Desumano até para o próprio editor, que deve passar meses para editar a vida toda de uma pessoa. É confuso até acreditar que ele consegue resumir a vida de um ser em poucos minutos.

A história do filme pode ir bem mais além do que isso, pena que foi mal explicada e os atores não conseguiram conduzir bem a força que o roteiro possui. Uma história desse nível poderia gerar polêmica como a dominação das máquinas causou em "Matrix". Robin Williams está muito aquém do seu talento. O diretor Omar Naim, iniciante, deixou seu personagem travado. Tanto que, na parte de dramas, você tem a ligeira impressão que o versátil Robin está interpretando um dos seus antigos personagens, como Patch Adams. Dá para perceber que o ator, ultimamente, está se aventurando nos dramas e em filmes mais obscuros, como o perturbador "Retratos de uma Obsessão". Pena que sua atuação seja de mediana para fraca nesse longa.

Mira Sorvino é confusa e muito apagada. Quem não a conhece de longas datas ("Poderosa Afrodite" – 1995), dificilmente vai lembrar da moça. Sem falar de Jim Caviezel. Depois da ótima atuação em "A Paixão de Cristo", sua popularidade subiu a um nível bastante elevado, mas nesse filme ele mal aparece e faz um coadjuvante chato e difícil de engolir. Seu personagem persegue o de Robin Williams por motivos burocráticos e mal explicados.

As tramas secundárias do filme não chamam atenção. Tudo é morno. Não há clímax. Você não vê a hora de acabar por causa da falta criatividade da direção. O roteiro funciona, mas poderia acontecer algo a mais que gerasse expectativa. Tudo é muito parado. Até a cena final é fraca. Enquanto estamos numa safra de fracas histórias e boas execuções, chega um filme com uma ótima teoria e só. Faltou talento na direção. Talvez não seja a hora do diretor querer se aventurar. Nem o ótimo Robin Williams conseguiu salvar. Fazer o que?

Jurandir Filho
@jurandirfilho

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