Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 27 de março de 2005

Vozes do Além

É extremamente chato quando assistimos a um filme que aborda um assunto tão interessante e instigante, mas que não consegue passar de um filme pequeno. Há diferença entre susto e medo. Medo esse filme não dá, susto sim. Mas afinal, se você aumentar a música de uma hora pra outra o susto acontece. É, basicamente, isso que o filme é: normal e clichê.

Sabe o que chama atenção hoje em dia em filme de terror / suspense? É quando o assunto abordado é algo inanimado. Algo que você não consegue ver, mas todo mundo sabe que existe. Comunicação com o além, espíritos e coisas do gênero. Imagina você zapeando em estações de rádio, quando chega uma hora em que fica tudo chiando, e uma voz aparece. É basicamente essa a premissa do filme: abordar o Fenômeno de Voz Eletrônica (Electronic Voice Phenomena – EVP).

Antes de tudo, temos que conhecer um pouco desse fenômeno tão complexo. Em 1950, um professor letão de psicologia, chamado Konstantin Raudive, começou a registrar palavras no que deveria ser uma fita virgem de gravador. Ele reuniu um pequeno grupo de investigadores para estudar o fenômeno de voz eletrônica (EVP), chegando a gravar mais de 100 mil registros de vozes paranormais. Quase na mesma época, o cineasta sueco Frederich Jürguenson capturou vozes enquanto gravava canto de pássaros ao ar livre. Ele prosseguiu com suas pesquisas em EVP durante 25 anos. Nos anos 80, havia milhares de experimentadores em EVP por toda a Europa, América do Norte, América do Sul e Ásia. Todos recebendo mensagens de entidades que se apresentavam como seres espirituais que haviam vivido como homens na Terra.

Freqüentemente, a intenção é a mesma: avisar a alguém um perigo, dizer adeus ou transmitir recados importantes. Em muitas ocasiões, estes fenômenos ocorreram em datas especiais como aniversários, casamentos, etc. Os estudiosos revelam que é possível realizar gravações através do rádio. Tipo, sintonizar (no rádio), em algum lugar do dial entre estações onde só são audíveis sons difusos, podendo ser AM ou FM. Você abaixa o volume do aparelho para que apenas o som difuso seja perceptível. O melhor horário de gravação acontece ao entardecer. As transmissões podem ser afetadas pelas condições atmosféricas e do tempo. É importante lembrar que a FVE é realizado sempre por pesquisadores na área. Geralmente quando conseguem obter um resultado positivo, agradecem pelas informações, vindas do outro plano.

No filme, Jonathan Rivers (Michael Keaton) é um arquiteto que sofre grande abalo com a misteriosa morte de sua esposa (que estava grávida). Ele tenta curar a dor quando recebe a visita de um homem que diz poder realizar um encontro entre Rivers e a falecida, através do método EVP (Eletronic Voice Phenomena). O método consiste em usar um rádio ou TV mal-sintonizados: a má sintonia permite ouvir e até ver o rosto de pessoas mortas. Cético no início, Rivers desconfia. Mas, esperançoso com a possibilidade de reencontrar a esposa, acaba aceitando o EVP. Durante a descoberta, ele só terá auxílio de Sarah (Deborah Kara Unger), que também usa o FVE como terapia para superar a morte de seu noivo. O que Rivers não contava era que a situação fugisse do seu controle e ele passasse a ser atormentado pelos contatos do além.

Às vezes, é assustador presenciar algo do gênero. O filme tenta mexer com esses sentimentos. Mesmo que haja muita coisa nele feito para o lado comercial (mentiras), há muita coisa real. Praticamente todos os contatos que aparecem no filme já aconteceram na realidade. O problema está justamente quando ele vai além dessa realidade. Abuso de clichês (como no começo do filme, você não precisar nem ler a sinopse para saber a mulher de Rivers vai morrer) e a tentativa com êxito em transformar o filme em um suspense barato. Isso tira todo o mérito do contexto e dos fatos reais abordados. Dava para o diretor Geoffrey Sax ter aprofundado mais no assunto. Infelizmente ele não o fez.

Este longa possui muitos furos, como a falta de interesse da polícia pelas mensagens recebidas e o número de mortos que cresce cada vez mais, e todos relacionados a Rivers. Não há nenhuma explicação sobre aquelas três sombras e como elas atacam as pessoas. Espiritualmente falando, é impossível eles atacarem alguém, a não ser que estejam conectados ao corpo (mente) de outra pessoa. Sem falar na fraca atuação de Michael Keaton (em pensar que ele foi o primeiro Batman). E sem falar também, na falta de carisma de TODOS os personagens (sem exceção).

O filme é uma boa pedida para curiosos sobre o assunto. Pois em relação ao suspense, ele deixa muito a desejar. Será que os norte-americanos têm que depender de japoneses para produzirem filmes de suspense decentes (e olha que já encheram o saco, esses japas)? Infelizmente, mais uma vez, vemos um excelente tema ser desperdiçado.

Jurandir Filho
@jurandirfilho

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