Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 22 de março de 2018

Com Amor, Simon (2018): pouco a pouco

Drama de amadurecimento sobre um adolescente em processo de se assumir gay, aborda uma questão urgente sem grandes pretensões, mas nem por isso deixa de ser revolucionário.

Nos últimos anos, filmes com a temática da diversidade sexual têm sido mais frequentes e bem sucedidos no circuito comercial. Contudo, os exemplos recentes mais notórios, como “Moonlight – Sob a Luz do Luar” (2016) e “Me Chame Pelo Seu Nome” (2017), podem ser lidos como “filmes cults” ou “dramas independentes”, com suas histórias densas e recheadas de lirismo, guiadas por diretores conceituais e com orçamento modesto para os padrões da indústria. Mas nem todo filme precisa ser um ganhador de Oscar, e apenas pouco a pouco vemos o tema ser abordado de modo mais corriqueiro, em produções pequenas e despretensiosas que também podem ser consideradas filmes para toda a família. Nesse sentido, “Com Amor, Simon” é um bom exemplo disso.

O filme dirigido por Greg Belardi (“O Clube dos Corações Partidos”) é baseado no livro de estreia de Becky Albertalli “Simon vs. a Agenda Homo Sapiens”, vencedor de prêmios nos Estados Unidos no ano de seu lançamento, em 2015. O roteiro dos estreantes em longaS Elizabeth Berger e Isaac Aptaker, parece extrair o melhor de uma história cotidiana, passada no subúrbio americano, entre as famílias do “american dream”, na high school cheia de valentões e dramas de socialização e focada nos questionamentos e trapalhadas de um adolescente típico diante de uma crise existencial. A primeira fala é do protagonista, Simon (Nick Robinson, de “Jurrasic World”), nos dizendo ser absolutamente normal, como nós. Sua única diferença é ser gay.

Na verdade as diferenças são muitas, especialmente para um público brasileiro que não está acostumado com o estilo de vida do americano médio, e a menor delas é sua orientação sexual. A vida excessivamente organizada do protagonista não nos dá confiança da iminência de tudo está prestes a ruir uma vez que esse se assuma, como a trama parece nos forçar a peNsar. É pouco crível, por exemplo, a própria dinâmica de “família margarina” do protagonista, com uma mãe psicóloga (Jennifer Garner, de “De Repente 30″) que já sinaliza a aceitação do “segredo” de Simon. Um excesso numa história sempre em risco de afundar no melodrama – mas que felizmente não o faz.

Outro ponto bastante negativo é a atuação do próprio Robinson, que não oferece nenhum convencimento no papel. Mesmo considerando o desafio de interpretar um adolescente que esconde sua sexualidade, exceto para uma figura anônima com quem conversa por e-mails, nos momentos em que o roteiro ousa desconstruir o formato simplesmente linear e viajar por devaneios por vezes sarcásticos ou humorísticos, o ator não consegue entregar uma interpretação com o nível de desenvoltura que faria o papel ganhar muito. Nem falemos das cenas românticas, o que mais incomoda é a insistência em colocar o protagonista com as mãos no bolso o tempo todo – mesmo entendendo a intenção de demonstrar com isso seu receio e timidez públicas, como se escondesse algo. Nick até consegue passar a tensão diante do constante risco de ser descoberto, mas este é o único estado de interpretação bem entregue, deixando de lado todas as outras camadas que a história poderia oferecer.

Felizmente o ator não fica sozinho o suficiente em tela, embora esteja basicamente em todas as cenas. Na tentativa de dar agilidade à trama, que se passa ao longo de quase um ano, adicionam-se uma série de personagens secundários relevantes, que chamam atenção do espectador para suas histórias ou maneiras de ser, ainda que por vezes clichês. Sejam os três principais amigos de Simon – e um antagonista divertidíssimo, interpretado por Logan Miller (“Como Sobreviver a Um Ataque Zumbi”), como um revival geração millenium de Jack Black –, seja a dinâmica familiar do protagonista, com boas escolhas de elenco e personagens bens construídos, o filme se preenche de pequenas histórias interessantes.

Ainda que seu resultado final não passe de mediano, um filme vespertino com a temática gay é absolutamente revolucionário, diante de uma resistência preconceituosa, que insiste em atrasar a sociedade. Ter em tela um romance adolescente gay é um passo além pelo direito à diversidade, pelo respeito às diferenças, tão necessários em tempos de desilusão social, frente à violência, ao preconceito em todas as suas formas, e à ignorância. Ver um resultado tão satisfatório num filme tão banal é apenas um presente.

Vinícius Volcof
@volcof

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