Cinema com Rapadura

Críticas   quarta-feira, 07 de março de 2018

O Passageiro (2018): o básico para entreter

Apesar da direção mediana (com alguns acertos e um erro grosseiro) e do roteiro fraco, esta continuação espiritual de “Busca Implacável” conta com Liam Neeson, uma estrela que nunca decepciona.

Que entretenimento pode ser mais fugaz que um blockbuster sem muito conteúdo e praticamente despido de criatividade, mas razoavelmente bem feito e com uma grande estrela de Hollywood como o protagonista? “O Passageiro” leva essa cartilha ao pé da letra – e o resultado, se não é notável, também não é ruim.

Na trama, Michael (Liam Neeson, de “Mark Felt: O Homem que Derrubou a Casa Branca”) é um vendedor de seguros que, ao voltar para casa no trem que pega há anos, recebe uma oferta inusitada: uma mulher misteriosa lhe oferece cem mil dólares para encontrar um passageiro que porta um objeto que não lhe pertence. Todavia, esse itinerante precisa ser encontrado antes da última parada.

Conforme se percebe de seu argumento, o filme nasce como um suspense a ser desvendado, no estilo “Assassinato no Expresso do Oriente”, embora acabe se desenvolvendo muito mais no gênero de ação, similar a “Sem Escalas”. Não à toa, o diretor responsável pelo longa é o espanhol Jaume Collet-Serra, parceiro de Neeson desde os bons “Desconhecido” e “Sem Escalas”, aprimorando em “Noite Sem Fim” e decaindo neste “O Passageiro”.

O diretor se aventura com momentos dramáticos pouco presentes em sua filmografia: quando Michael recebe uma notícia que o abala, a câmera faz um movimento parabólico por cima dele, embalando a cena por uma música taciturna; outro exemplo está em um momento mais tenso, em que o protagonista, filmado em primeiríssimo plano, prevê acontecimentos ruins a partir do que ouve no telefone. Nessa cena, é interessante a conjugação entre a interpretação do ator, o texto e a imaginação do espectador, que faz a sutura (adotando a terminologia de Heath). Assim, a direção tem alguns acertos, como a trilha sonora instrumental, que consegue preencher bem os espaços que encontra, e as razoáveis cenas de ação – com destaque a um dinâmico e bem filmado plano longo de luta dentro de um vagão do trem, no qual simula-se a ausência de cortes (como Hitchcock fez em “Festim Diabólico”). O truque é antigo, mas continua refinado.

Entretanto, nos primeiros minutos, o ritmo aceleradíssimo faz com que o público não consiga absorver tudo que é mostrado, em especial a família de Michael, que se torna irrelevante por tal razão – ou seja, o prisma emocional da personagem acaba perdendo. A ideia é colocá-lo o quanto antes no trem, onde o plot realmente começa, mas há um exagero na velocidade. Collet-Serra também não resiste a mensagens subliminares desnecessárias e indiscretas, que tiram a verossimilhança que o enredo poderia ter. Tudo isso poderia ser relevado, não fosse uma sequência de ação absurdamente grosseira: os acontecimentos são abusivamente surreais, o CGI é ruim e o design de som é péssimo.

E o problema real do longa nem é a direção. Usando um suspense como pretexto, o roteiro sabota a si mesmo ao dar larga margem de previsibilidade quanto às personagens: basta atentar para as induções ao erro que o script propositalmente faz. O potencial enigma é fácil de desvendar já no primeiro ato, pois todas as indicações estão lá para ludibriar o espectador, que só se deixará levar se for ingênuo. Ora, sendo esse o fio condutor da trama, é bastante prejudicial à obra que tudo que se poderia descobrir com as pistas dadas é efetivamente fácil de ser descoberto.

Por outro lado, o trunfo da produção, sem dúvida, é a estrela incomparável de Liam Neeson, que nunca decepciona. Subaproveitado na indústria, seu talento interpretativo é exibido através de flashes em filmes como esse, como na cena do banheiro, em que o sorriso de empolgação, seguido de uma expressão séria de preocupação, soa com naturalidade exemplar. A novidade aqui é que sua idade é um fator favorável para o roteiro, que faz com que o sexagenário tenha um subplot pessoal convincente e coerente com o desfecho do longa.

É verdade que “O Passageiro” repete muito do que já foi visto no gênero, inclusive em alguns filmes já protagonizados por Neeson. Porém, esse é o tipo de filme que não deve ser encarado como de má qualidade: com novidades pontuais e o carisma inigualável do ator, essa continuação espiritual de “Busca Implacável” (ainda que bem mais realista) faz o básico para constituir um entretenimento (esse sim) passageiro.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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