Cinema com Rapadura

Críticas   quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Operação Red Sparrow (2018): despudor, poder, sedução e sadismo

Parecendo mais reluzente do que efetivamente é na prática, o suspense de espionagem tem boas atuações e um roteiro que acerta tanto quanto erra. Enquanto produção, há ambição e ousadia fora dos padrões hollywoodianos.

Os filmes de espionagem costumam ter traços em comum, notadamente violência, sedução e traição. “Operação Red Sparrow” acentua essas características, tendo como subtexto uma questão mais profunda, referente às relações de poder.

Na trama, Dominika Egorova (Jennifer Lawrence, de “Mãe!”) é uma ex-bailarina que se vê forçada a trabalhar como espiã para o governo russo. Para isso, ela ingressa no árduo treinamento para se tornar uma sparrow (pardal, em tradução literal), aprendendo novas habilidades e o uso do próprio corpo como ferramenta de trabalho. Seu primeiro alvo é o agente da CIA Nate Nash (Joel Edgerton, de “Bright”), dividindo-se entre a paixão proibida que desenvolve por ele e as ordens do governo russo, personificadas em seu tio Ivan (Matthias Schoenaerts, de “A Garota Dinamarquesa”).

O diretor do longa é Francis Lawrence, parceiro de Jennifer desde a franquia “Jogos Vorazes”. Seu trabalho aqui é mais adulto em razão da mudança do público-alvo, surpreendendo tamanho despudor em uma produção hollywoodiana, mostrando de maneira explícita o que acha necessário (até mesmo um procedimento cirúrgico logo no início). A primeira cena violenta e com nudez pode ser chocante pela intensidade das agressões, mas o visual não é límpido, pois o objetivo é uma mera introdução às cenas fortes que se seguem – envolvendo violência sexual e nudez masculina frontal, por exemplo. A protagonista também exibe seu corpo (inclusive nu), todavia nenhuma nudez se apresenta de maneira gratuita: os sparrows são ensinados a seduzir e manipular (ou seduzir para manipular) seus alvos, aprendendo a usar seus corpos como instrumento do labor – é assim o modus operandi da protagonista, bem como de uma colega que ela conhece na empreitada.

Trata-se de um exageradamente longo suspense de espionagem sem tanta ação, mas com doses colossais de sadismo. As cenas de tortura (que ocorrem em face de mais de uma personagem) acontecem tanto no viés da violência física explícita quanto na tensão psicológica: alguns momentos são chocantes para o público mais sensível, muitas vezes investindo em recursos periféricos – como a atuação – ao invés de apelar para banhos de sangue. Fica justificado, de um lado, o competente trabalho de maquiagem simulando os hematomas e, de outro, o uso correto da cor vermelha pela direção de arte. O vermelho está muito presente no figurino da protagonista, como no tutu do belíssimo prólogo e em um vestido que ela usa mais à frente, assim como em seu batom, representando sedução, ou ainda nas cortinas do local de seu treinamento, expressando violência. Em outros momentos, todavia, ela usa roupas pretas, simbolizando tristeza ou raiva. No mencionado prólogo, Dominika é admirada por um enorme público e a filmagem na contraluz reforça a grandiosidade da apresentação; enquanto isso, Nate está em um momento mais agitado, em local ermo. O aumento gradativo do ritmo da sequência é acompanhado pela música – a imponente trilha sonora é instrumental – e pela dança, com um grand finale.

Jennifer convence na dubiedade de Dominika, cada vez menos vulnerável, em uma crescente bem perceptível, quase passando despercebida a irregularidade do seu sotaque – ao contrário do incômodo inglês falado na Rússia. O que permeia o roteiro é a submissão da protagonista ao serviço secreto russo, partindo de uma ideologia não muito convincente de patriotismo a contragosto. Adotando o conceito de Max Weber (sem a pretensão de adentrar em sua complexa doutrina), poder seria a “probabilidade de impor a própria vontade numa relação social, mesmo contra resistências”. A ideia é tão potente que reside até mesmo no argumento: Ivan exerce sobre Dominika uma clara relação de poder, porém não se sabe o limite da sua obediência. A interpretação de Schoenaerts é precisa para exibir a paciência e a racionalidade do tio, sugerindo que o intenso afeto nutrido pela sobrinha tem também um desejo sexual reprimido. A temática do poder tem seu ápice em uma sequência relativa a um estupro, desmentindo a equivocada associação automática entre violações sexuais e libido. Em outro momento, Dominika e Nate conversam sobre a supremacia de quem tem o poder em seus países, quando ele admite que sua nação não é tão diferente da Rússia.

O roteiro é engenhoso na solução da trama, contudo falha quando deixa Dominika e Nate separados, pois o arco dramático deste fica inicialmente desconexo e é desinteressante quando comparado ao dela. O filme é ambicioso, mas parece mais reluzente do que ele efetivamente é na prática. Ainda assim, a maneira despudorada da abordagem e o olhar questionador (ainda que tímido) da noção de poder revelam razoável ousadia, o que é elogiável.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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