Cinema com Rapadura

Críticas   quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Cinquenta Tons de Liberdade (2018): uma desculpa medíocre para o softporn

A saga de Anastasia termina pouco diferente de como teve início. Com uma trama rasa, o filme apela para cenas de sexo que não tem função alguma, talvez a prova fatal de que esta franquia não tinha muito o que dizer.

Nem todo filme precisa ser pretensioso, complexo ou inovador. Tramas simples podem ser eficientes quando assumem a proposta e conseguem ser coerentes com o que foi entregue. Quando se fala em franquias, a regra se mantém, com a diferença que um longa não pode ignorar o que foi estabelecido nos anteriores – o que não significa necessariamente que não haja liberdade para evoluir. “Cinquenta Tons de Liberdade” está em um meio termo. Fatalmente não é um filme pretensioso, complexo ou inovador. Mas, mesmo em sua simplicidade, a última parte da saga softporn fracassa.

Na trama, Anastasia (Dakota Johnson, de “Como Ser Solteira”) e Christian Grey (Jamie Dornan, da série “The Fall”) enfim se casam e começam a viver os prazeres e dificuldades da vida a dois, quando problemas passados retornam para ameaçar o relacionamento de ambos.

A pobreza da obra, tanto de narrativa quanto de direção, fica evidente logo no começo. O hiato deixado entre a segunda parte da trilogia e este capítulo final armou o cenário para o casamento e tudo o que naturalmente o acompanha. Porém, a pressa na cena que abre o longa deixa bem claro que não há espaço para o desenvolvimento. E James Foley (responsável também pelo filme anterior) parece ter decidido o que iria fazer sempre às vésperas de cada cena. A quebra no desenvolvimento das personagens atinge um novo nível aqui. Antes, Anastasia era a garota tímida e introvertida que aceitava o sexo como um rito de descoberta. Depois, passou a utilizá-lo com o intuito de autoafirmação. Agora, porém, o ato sexual nem ao menos tem finalidade narrativa. As cenas são construídas de maneira forçada – algo que se torna ainda mais incômodo pela forma pouco convincente dos atores para demonstrar desejo e interesse.

O resultado dessa falsidade empática, que nega o verossímil e ao mesmo tempo não abraça a breguice, são cenas enfadonhas, que buscam a todo o momento uma desculpa qualquer para que as personagens principais possam fazer sexo. O roteiro deixa de lado os conflitos criados, buscando novas tensões para os protagonistas, numa tentativa fútil de progressão narrativa. A sensação é de que a cada nova cena, o filme ainda está começando. Anastasia permanece submissa aos desejos do marido, enquanto Christian segue utilizando seu dinheiro e “poder de sedução” – poder este que somos obrigados a aceitar que existe – para compensar suas frustrações.

Porém, o que se torna mais incômodo é a forma superficial e infantil do roteiro para simular uma vida a dois. Os medos que Christian tem da paternidade não são explorados (aliás, a resposta dele à mulher quando questionado sobre o tema é uma demonstração simples de como o argumento da obra é um rascunho qualquer e não revisado). A vontade de Anastasia de se libertar de algo, como o título sugere, é ignorada constantemente. As conversas na cama entre os dois emulam os pornôs baratos da década de 1980 e o puritanismo do filme não permite cenas de sexo originais ou que demonstrem que estamos acompanhando o cotidiano de duas pessoas recém-casadas.

E quando não é o sexo a desculpa para ligar cenas, surgem reviravoltas irracionais, como sequências de ação que não possuem nenhum clímax ou tensão. O diretor indica para o público que Anastasia vai se envolver em perigo quando dispensa a presença do marido, ou quando decide ir sozinha para um lugar sem avisar ninguém. E da mesma forma que sabemos que o risco está sendo plantado, prevemos de cara que nada irá acontecer.

O capítulo final para a franquia está aquém de qualquer mérito. O filme repete os mesmos temas já abordados, porém agora não há mais para onde avançar. As personagens são rasas, os conflitos são previsíveis, o vilão é inconsistente e o sexo não parece real. Trata-se de uma tentativa fútil de, mais uma vez, romantizar um relacionamento abusivo. Um desserviço narrativo, que pede para que o público aceite a necessidade de um homem depender de uma mulher para conseguir sua própria redenção, enquanto ela precisa estar presa em algo, mas é inferior demais para entender o que acontece ao seu redor. É a novelização de uma história pobre, que torna-se esquecível assim que os créditos finais começam a subir.

Robinson Samulak Alves
@rsamulakalves

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