Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 01 de março de 2018

Fullmetal Alchemist (2017): carência de valor e inovação

Embora tenha a missão cruel de tentar condensar uma história extensa em pouco mais de duas horas, o longa é preguiçoso quando tenta adaptar o que já existe, e passa longe de ter a ousadia necessária para trazer uma história inédita.

Adaptar histórias já existentes para outras mídias, especialmente as mais consagradas, vem se tornando algo comum na indústria cinematográfica. Apenas no escopo de animes/mangás, temos como exemplos mais recentes o mediano “Ghost in the Shell” e o péssimo “Death Note”. Embora não sejam considerados grandes acertos como filmes, eles tiveram o mérito que “Fullmetal Alchemist” não teve: tentar contar algo original e relevante para o público.

A missão é ingrata, especialmente quando é necessário condensar o extenso material já existente, afinal, é impossível transferir tudo de uma mídia para outra, devido ao tempo reduzido do cinema. Os caminhos mais prováveis resumem-se a recontar uma parcela da história original – o que costuma ser o fiel da balança se a adaptação foi ou não bem feita -, ou criar uma nova trama, ambientada no mesmo universo do material base. O grande problema do longa é que ele não apenas não se decide sobre qual rumo tomar, tentando se equilibrar entre os dois, mas ainda executa ambos de forma muito aquém do esperado, tanto para os fãs dos anime/mangá originais quanto para os novos espectadores.

A trama se passa em uma localidade onde a alquimia não só existe, mas é bastante recorrente na sociedade. Uma premissa que envolve algo distante da nossa realidade é algo comum em obras nipônicas, que costumam abraçar o fantástico sem se preocupar em explicar a origem de tudo. Por se tratar de uma adaptação japonesa, é até esperado que o longa também releve as razões e as implicações dessa técnica. Mas apresentar o mínimo de informações, visando criar uma atmosfera de imersão para os espectadores neste contexto, especialmente por se tratar de uma adaptação que pode atingir um público desconhecedor da obra original, é algo imprescindível. Ao invés disso, temos apenas alguns flashes espalhados de forma desconexa, impossibilitando a crença na veracidade do universo mostrado.

A história acompanha os irmãos Edward (Ryôsuke Yamada) e Alphonse Elric (voz de Atom Mizuishi), logo após serem atingidos por uma tragédia ao tentarem reviver sua mãe, única técnica considerada proibida pelo exército local. O processo deixa Ed sem um braço e uma perna e faz com que Al perca seu corpo inteiro, tendo sua alma selada em uma armadura gigante. Os dois então partem em uma jornada em busca de um artefato lendário, a Pedra Filosofal, na tentativa de restaurar os seus corpos.

Assim como acontece no argumento, a primeira hora do longa também se espelha quase que completamente no material existente, mesmo que, para isso, precise eliminar várias subtramas de relativa importância, em prol do andamento da narrativa principal. Os conhecedores do anime vão, facilmente, traçar vários paralelos entre as cenas do filme e da obra original, onde é possível ver o apreço da produção em manter muitos dos aspectos visuais idênticos e facilmente reconhecíveis. Já os espectadores novatos acabam sofrendo devido à quantidade de informações jogadas, sem explicações ou ligação com o plot principal, algo que fica gratuito no longa, uma vez que, diferente da série animada, a produção não terá o tempo necessário de sanar muitas dessas dúvidas. Além disso, a imposição de trazer a trama original ipsis litteris acaba causando um sério problema de ritmo para a obra, fazendo com que o público espere muito até que algo relevante, de fato, aconteça.

Outro pecado gravíssimo é não construir uma relação sólida entre os personagens principais. Chega a ser um erro infantil e ridículo não desenvolver bem um vínculo fraternal em um filme protagonizado por irmãos. Fora que a carga dramática que a obra original tem, não só entre os Elric, mas em toda a história, é fortíssima. Porém, é notável a falta de atenção para essa característica e de tempo para gerar empatia do público. O descaso com os personagens fica completamente escancarado com Winry (Tsubasa Honda), que além de não ser retratada visualmente como no material base, teve sua importância e background quase que completamente eliminados, resumindo a intérprete à uma mascote, sempre acompanhando os protagonistas. É nela, também, que vemos de forma mais acentuada a interpretação exagerada típica de obras e atores japoneses. Embora seja compreensível que esse tipo de atuação é comum nas produções nipônicas, os gritos e as caras e bocas por vezes tornam-se incômodos, especialmente em Edward, que parece não conseguir expressar raiva sem parecer um robô mal programado.

Quando tenta caminhar com os próprios pés, o filme se perde de vez. Embora não venha ao caso revelar os caminhos escolhidos no roteiro que o diferem da obra original, a história não consegue impactar de nenhuma maneira, existindo apenas para (tentar) fechar o máximo de pontas soltas. Mesclando isso ao fato de que o público não se importa com os personagens, a trama acaba ficando totalmente superficial e previsível, capaz de gerar vergonha alheia em alguns momentos, devido às tomadas de decisão simplesmente ridículas.

À medida que o material original é carregado de ideias inteligentes, figuras bem desenvolvidas e tramas instigantes, este “Fullmetal Alchemist” só é capaz de arranhar alguns conceitos da obra precedente, e com o pouco que tenta desenvolver de seus personagens, não consegue ganhar a simpatia do público. O longa consegue a proeza de não satisfazer os fãs, que devem reconhecer muito do que foi deixado de fora sendo apenas citado por puro fan service, além de não capturar o interesse do público novato, que acaba ficando perdido com a quantidade de informação sendo mostrada sem muitas explicações.

Martinho Neto
@omeninomartinho

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