Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 09 de fevereiro de 2018

Bright (Netflix, 2017): fantasia policial com muitas pretensões

Com um universo de possibilidades ao alcance, o filme não consegue atingir o equilíbrio entre apresentar sua mitologia e ser uma comédia de ação.

O que aconteceria se elfos, orcs, centauros, fadas e outras criaturas mágicas vivessem em “harmonia” na sociedade atual? Esta é a premissa não muito original, porém bastante promissora de “Bright”, filme dirigido por David Ayer (“Esquadrão Suicida”), que contou com o maior orçamento da história da Netflix até agora. Mesclando esses seres em um cenário urbano atual, porém muito comum também nos longas policiais dos anos 70 e 80, a obra discute questões importantes como o racismo e a violência policial, mas acaba perdendo-se na pretensão de ser algo maior do que realmente é.

Na trama, Daryl Ward (Will Smith, “Beleza Oculta”) é um policial designado para trabalhar – contra sua vontade -com Nick Jakoby (Joel Edgerton, “Ao Cair da Noite”), o primeiro orc funcionário da polícia de Los Angeles. Depois de levar um tiro de outra criatura não humana, Ward tenta, em vão, livrar-se de Jakoby, suspeito de colaborar com o atirador por serem da mesma “espécie”. Porém, na primeira ação após a volta às ruas, a dupla se depara com uma elfa carregando consigo uma varinha mágica, artefato muito poderoso capaz de, dentre muitas outras coisas, reviver uma entidade maléfica que há muito dominou a Terra.

Desde o início, a história remete aos dramas policiais onde, comumente, a dupla protagonista era formada por um negro e um branco. A brincadeira reside na inversão de valores onde o negro, neste caso, é retratado como quem pratica o preconceito contra o orc, raça oprimida na realidade da obra. Embora esta escolha faça parte da crítica social construída no roteiro, o filme não deixa claro o porquê da raça de Jakoby ser extremamente marginalizada nesta sociedade alternativa, visto que os mesmos possuem força e resistência muito maiores e sentidos mais aguçados que os humanos. Esta tentativa de sempre tentar criar um paralelo com a nossa realidade, apenas substituindo algum elemento por um equivalente “mágico”, se mostra um problema repetitivo no longa.

Além disso, a obra tenta compilar todo um universo fantástico que possui, no mínimo, dois mil anos, em uma produção de pouco mais de duas horas. Isso sem contar o ritmo frenético e o posicionamento social, coisas que também demandam tempo de tela para funcionar bem. Visto apenas como um filme policial, a história até poderia funcionar, como na cena surpreendentemente realista onde a dupla de agentes enfrenta um tiroteio, ainda durante o primeiro ato. Mas a quantidade de pontas soltas e informação gratuita, além de personagens e subtramas mal explorados devido à falta de tempo, chega a incomodar (aparentemente, ninguém pensou na quantidade de implicações que a existência de um dragão causaria neste mundo).

Apesar de tudo, o filme possui suas qualidades. Embora tenha adicionado inúmeros elementos em tela, de forma bastante imprudente, a escolha acaba gerando frutos, pois o design de produção é excelente e a maquiagem é espetacular. O trabalho feito especialmente na caracterização dos orcs dá uma veracidade única aos personagens. Além disso, a trilha sonora é eficiente, composta em grande parte por hip-hop com letras que tratam de discriminação e brutalidade policial.

A presença de David Ayer é visível por trás das câmeras, dando ao filme todo o peso de um longa feito para o cinema. Destaque ainda para a química entre Ward e Jakoby, ambos com ótimas atuações e em uma sintonia que já começa bem e só melhora no decorrer da trama, e para o uso inteligente do slow motion em determinadas cenas de ação, possibilitando alguma compreensão em meio ao pandemônio em que estas sequências acabavam se tornando.

“Bright” mostra potencial para inúmeras histórias diferentes, ambientadas num mesmo universo, especialmente se convergisse o foco e trabalhasse em um escopo menor, porém bem explicado e estruturado. Não fazendo isso, o longa se resume à uma fantasia policial corajosa, porém igualmente superficial e confusa, capaz até de agradar a quem procura um simples “pipocão”, porém decepcionando quem esperava algo mais.

Martinho Neto
@omeninomartinho

Compartilhe

Saiba mais sobre