Cinema com Rapadura

Críticas   quarta-feira, 06 de setembro de 2017

It: A Coisa (2017): O terror a partir do drama

Focado na construção de personagens e criando uma atmosfera tensa, o filme consegue ser uma das melhores adaptações de Stephen King para o cinema.

Adaptar uma grande obra da literatura para o cinema costuma ter duas dificuldades principais: conseguir manter a essência do livro enquanto entrega uma nova visão da obra original e conseguir se sustentar sem depender do material original. Quando um filme consegue alcançar esses dois pontos, é necessário reconhecer seus méritos. “It: A Coisa”, a mais recente adaptação de Stephen King ao cinema, consegue esse mérito, apesar de possuir algumas ressalvas.

Na trama, vemos a cidade de Derry testemunhar uma série de desaparecimentos de crianças. Enquanto o mistério permanece não resolvido, sete amigos, que formam o chamado “clube dos perdedores”, decidem ir a fundo e descobrem que a cidade é assombrada há séculos por uma força do mal. E para poder derrotar a criatura responsável pelos desaparecimentos, eles precisarão perceber que a amizade pode ser a principal arma contra seus próprios medos.

O diretor Andy Muschietti (“Mama”) consegue entregar um filme consistente e que se mantém fiel ao gênero de terror. A opção por se focar exclusivamente com os personagens ainda crianças, permitiu que a história conseguisse desenvolver muito bem cada uma delas. Ao longo das mais de duas horas de filme, conhecemos um a um, desde suas características até seus principais medos.

Essa é a forma que o diretor procura para focar o verdadeiro terror. Cada uma das crianças é atormentada por algo diferente e tem seu próprio momento frente ao medo. A calma utilizada pelo diretor na construção de cada uma delas ajuda a criar empatia. No final o medo está com o que pode acontecer a cada uma delas, e não numa criatura monstruosa.

A história não se limita a isso. Seja para reforçar o clima, seja para atingir um público maior, em alguns momentos pontuais Muschietti se aproveita de jumpscares para elevar a tensão. Em sua maioria não causam tanto impacto e podem até soar óbvios demais, mas são bem utilizados para a trama. O que é apresentado inicialmente é uma situação assustadora para algum personagem em questão. O jumpscare surge depois que ele já está tenso e quer se livrar do local onde se encontra. Assim o susto final é mais um alívio de tensão do que um susto propriamente dito.

Falando em medo, aqui ele tem um nome: Pennywise, o palhaço (Bill Skarsgård, “Atômica”). É ele quem age escondido. Mais do que um vilão, ele é uma força do mal e usa a cidade para conseguir o que deseja. Seu visual carrega elementos de diversos períodos da história, o que reforça a ideia de que ele está por aqui há muito tempo. O ator é convincente no seu trabalho. Ele consegue ser carismático – como na cena inicial com Georgie – e sabe se impor nos momentos de maior tensão.

Porém falta ao filme a mesma paciência usada para apresentar o “clube dos perdedores”, na construção de Henry Bowers (Nicholas Hamilton, “A Torre Negra”). Ele é o estereótipo do aluno encrenqueiro, que pratica bullying para se divertir, mas na cena que ele ataca Ben (Jeremy Ray Taylor, “Alvin e os Esquilos: Na Estrada”), o ato soa exagerado, pois a construção das demais cenas acabou faltando aqui. A atitude dele pode soar exagerada demais, como se o garoto fosse apenas um lunático. Esse exagero acaba sendo reforçado no segundo ato, quando o filme apresenta um conflito de Henry com seu pai de maneira forçada, apenas para justificar uma ação futura.

No restante, o elenco juvenil é o principal destaque do filme. Bill (Jaeden Lieberher, “Destino Especial”) é atormentado pela morte do irmão, George, e carrega a culpa por isso. Ao mesmo tempo consegue assumir o papel de líder do grupo, mas sem exageros (exceto pela cena do discurso motivador, que apesar de inspiradora vai um pouco além). Mas é Richie (Finn Wolfhard, da série “Stranger Things”) quem merece o destaque. O jovem ator consegue ser um ótimo alívio cômico. Mesmo nos momentos de tensão, suas piadas são a forma que ele encontra para lidar com o medo. E assim, juntos com o restante do grupo, composto por Eddie (Jack Dylan Grazer), Beverly (Sophia Lillis), Stan (Wyatt Oleff, “Guardiões da Galáxia Vol. 2”) e Mike (Chosen Jacobs), eles conseguem sustentar o filme de forma muito natural.

E é no elenco infantil reside a verdadeira essência do filme. O diretor trabalha os momentos em que as crianças são apenas crianças se divertindo, explorando o mundo ou se apaixonando, ao mesmo tempo que mostra os verdadeiros traumas que existem além de um terror que assombra a cidade; como o medo que Stan tem de passar pelo Bar Mitzvá e se tornar um adulto para a sua religião, o trauma que Mike tem pela morte dos pais ou o medo que Beverly carrega do próprio pai. Com esses elementos, o filme consegue se tornar uma verdadeira obra de terror.

“It: A Coisa” é a primeira parte de uma história com muitos elementos e personagens marcantes. A opção por construir o terror a partir do medo de cada um dos protagonistas é o principal mérito e, nesse sentido o filme entrega uma ótima experiência. Existem alguns deslizes, mas são pontuais e não tiram o mérito que a obra tem. É um terror construído a partir do drama. E uma belíssima narrativa sobre como podemos ser refém de nossos mais terríveis medos e como podemos derrotá-los com a ajuda de nossos amigos.

Para quem leu o livro a sensação é de reler visualmente cada uma das páginas. Existem algumas mudanças na narrativa, mas praticamente todas justificadas. Outra mudança, mas já bem conhecida, está na aparência de Pennywise. Apesar de o livro não descrevê-lo como uma figura assustadora logo de início, a mudança nesta versão tem seus méritos. Por fim, alguns dos medos de cada personagem foram modificados também, mas sem causar qualquer tipo de prejuízo para a adaptação.

Robinson Samulak Alves
@rsamulakalves

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