Cinema com Rapadura

Críticas   quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Bye Bye Alemanha (2017): retrato morno do pós-guerra

O roteiro do longa é estruturalmente bem elaborado e seu argumento é original. Porém, é superficial em questões mais complexas e ele não obtém êxito no humor, tampouco no drama.

A originalidade é um valor primoroso no cinema, contudo, não é uma virtude autossuficiente, ou seja, não basta para garantir a qualidade de um filme. Em se tratando de “Bye Bye Alemanha”, o que se tem é um argumento original em uma produção completamente ordinária.

Trata-se de uma comédia dramática que se passa em Frankfurt, em 1946. Um grupo de judeus tem o objetivo comum de se mudar para os EUA, porém, cientes da necessidade de conseguir dinheiro para concretizar o intento, decidem vender lençóis e toalhas para alemães e, assim, angariar fundos – mesmo que, eventualmente, mediante histórias inventadas para comover os potenciais compradores.

Sem dúvida, é um argumento singular. O próprio fato de abordar o nazismo na perspectiva pós-guerra é razoavelmente inovador no cinema – lembrando que a produção é alemã (em coprodução com Luxemburgo e Bélgica). O roteiro parte, então, de dois eixos: o primeiro, referente ao presente diegético, cujo conteúdo é essencialmente cômico (sem dispensar um drama eventual), protagonizado pelo grupo que vende os objetos para conseguir o dinheiro, sair da Alemanha e morar nos EUA; o segundo, minoritário, concernente ao pretérito, unindo os horrores históricos do nazismo à experiência do protagonista do longa, David Bermann (Moritz Bleibtreu, de “Munique”), prevalecendo, portanto, o drama. Estruturalmente, o script é bem elaborado, na medida em que a narrativa mescla passado e presente, humor e tragédia e verdade e mentira.

A mentira permeia a trama porque é o que dá ensejo aos momentos mais cômicos, inclusive nos primeiros minutos, numa piada com a expressão “baseado em uma história real”. A comicidade é deveras pueril, com piadas como “conheço a família, é um ‘cão respeitável”. Eventualmente, existe um suave humor negro: pessoas morreram na Guerra, não obstante, as personagens usam as memórias de pessoas falecidas como convencimento para compra dos lençóis e toalhas – a atitude seria censurável do ponto de vista moral, mas é claro que existe a licença poética, o que se questiona aqui, todavia, é a brincadeira com um episódio tão triste da história.

O roteiro sugere temáticas interessantes (e mais complexas), abordando-as, contudo, de maneira absurdamente rasa. Em determinado momento, uma personagem questiona: “como podemos rezar por um Deus que comete tantos erros?”. A reflexão é profunda e merecia um tratamento cuidadoso no texto, todavia, é marginalizado, o que dá a entender que qualquer matéria periférica que dê a entender uma nova camada foi um acidente. Outra reflexão muito pertinente em relação ao período, principalmente pelo contexto do arco dramático do protagonista, é a dúvida entre sobreviver na covardia ou morrer na dignidade. Novamente, não há aprofundamento. A superficialidade é incômoda – sem olvidar o fato de que a narrativa ingressa por caminhos poucos convincentes em algumas cenas, que não podem ser mencionadas, para evitar spoilers.

Ao som de belíssimas músicas instrumentais judaicas, a direção de Sam Garbarski (de “Marido Disfarçado”) é um retrato do filme como um todo: comum. Exceto por dois elementos. O primeiro é uma metáfora, corporificada em um cachorro sem uma pata, que é a primeira imagem da película e aparece também em uma das últimas cenas (e em várias outras): o animal é a representação do protagonista, também gravemente ferido, mas ambos não permitem que as lesões os impeçam de seguir caminhando. Ainda, o diretor opta por duas modalidades narrativas para expor o pretérito diegético: em alguns momentos, narração intradiegética (isto é, Bermann relata o que aconteceu com ele, para outra personagem, em uma espécie de interrogatório); em outros, o espectador assiste a flashbacks. Isso significa alguma pluralidade em termos de linguagem cinematográfica.

“Bye Bye Alemanha” é um filme morno, cujo principal mérito é a originalidade, mas que, provavelmente, não ficará na memória do público por muito tempo. Enquanto proposta humorística, é bastante falho; no drama, não se destaca (até porque existem vários exemplares muito melhores nessa área). Entretanto, a estrutura do roteiro é sólida, o que, como contribuição para a sétima arte, é o que o longa tem de mais relevante.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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