Cinema com Rapadura

Críticas   segunda-feira, 21 de agosto de 2017

A Torre Negra (2017): a síntese que anula a boa intenção

Com a pretensão de reunir todas as características dos oito livros que compõe a obra original escrita por Stephen King em um único filme, o diretor Nikolaj Arcel erra a mão ao não conseguir a coerência visual e narrativa que um bom longa necessita.

Em “A Torre Negra“, Jake (Tom Taylor, da série “The Last Kingdom”) é um garoto de catorze anos que tem sonhos recorrentes, onde crianças são aprisionadas por um homem de preto (Matthew McConaughey, de “Interestelar”) e são utilizadas por ele para destruir uma enorme torre que protege o mundo. Por essa estranha característica ter se manifestado exatamente após a morte traumática de seu pai, tanto sua mãe, quanto todos a sua volta, acreditam que tudo isso não passe de uma espécie de resposta psicológica ao trauma sofrido por ele. Porém, quando o menino percebe que, na verdade, seus sonhos são parte de algo muito maior, ele parte em busca do personagem principal de suas visões, o Pistoleiro (Idris Elba, de “Star Trek: Sem Fronteiras”), o único que pode ajudá-lo a acabar com os planos do vilão.

Em uma saga iniciada na década de setenta, Stephen King demorou quase trinta e três anos para concluir a sua obra “A Torre Negra”, um épico construído ao longo de oito romances e um conto estendido. Utilizando como inspiração as obras do inglês J.R.R. Tolkien (“O Senhor dos Anéis”), as lendas arturianas e também a estética e os conceitos dos filmes de faroeste que assistiu quando era criança, King criou uma saga repleta de substância e momentos colossais, que angariou diversos fãs ao redor do mundo e um deles foi o diretor Nikolaj Arcel (“O Amante da Rainha”), que sempre sonhou em levar às telas aquela história que lhe emocionou tanto e talvez este seja o grande calcanhar de aquiles da adaptação da saga para o cinema, o excesso de zelo com a obra original.

Tentando reunir todas as características dos oito livros em um filme de uma hora e trinta e cinco minutos, o resultado não pode soar mais confuso. Apresentando apressadamente os conceitos e conflitos dos personagens, os quatro roteiristas contratados, dentre eles o próprio Arcel, sintetizam demais e fazem com que seja muito difícil se conectar à história em si. A todo momento somos bombardeados com questões e problemas que, por não terem sido corretamente contextualizados, não causam o efeito planejado e consequentemente, não emocionam ou empolgam o espectador. Um exemplo bem claro é o conceito de “Pistoleiro”. No filme inteiro, todo mundo se refere ao pistoleiro como uma figura a ser respeitada, um verdadeiro herói que deve ser temido e glorificado. Porém, se você nunca leu nenhum dos livros de King, dificilmente você irá entender o porquê de toda essa veneração. Em nenhum momento do longa, nos é mostrada ou contada de forma competente, a história dos pistoleiros que vivem apenas para proteger a Torre Negra, que consequentemente protege todo o universo contra as forças do inferno.

Outro erro grosseiro da adaptação é a escalação do elenco. Não que os atores sejam ruins, longe disso. Mas com um Matthew McConaughey pra lá de inspirado, exalando carisma e afetação, uma das características mais marcantes do seu personagem se perde absolutamente: a maldade. Criado pelo escritor como um ser que personifica o próprio mal e que não tem nenhum motivo específico para sê-lo, o Homem de Preto ou Walter O’Dim de McConaughey, é extremamente magnético, tornando-o praticamente o astro da obra e muito se perde quando ele não está em tela. Idris Elba até que se esforça para criar um pistoleiro marcante, mas seu papel não ajuda, já que o diretor prefere mostrar com muito mais detalhismo a grande habilidade do atirador em recarregar as suas armas do que propriamente desenvolver seu personagem. Para o garoto Tom Taylor sobra apenas a tarefa de correr de um lado para o outro, ora com um protagonista, ora com outro e até mesmo um momento de perda, que poderia demonstrar o potencial do rapaz, é tão apressado e insensível, que faz com que percamos o pouco de apego que tínhamos com ele até ali.

Se a direção geral se perde no exagero ao apego, os editores de som e imagem se perderam por completo. São tantos erros de continuidade e perdas de ritmo causados por cortes inadequados, que fica a impressão de que o longa passou pela mão de diversas pessoas diferentes. Quanto ao som, o que dizer, em ano de “Dunkirk”, sobre um filme que conta com um pistoleiro como protagonista e que o som de suas armas soam como tiros de séries de TV dos anos 80?! Em um momento de grande vergonha alheia, o som de uma saraivada de tiros de Roland, o grande atirador da história, soa como uma metralhadora enguiçada!!

Lembrando outro filme que não foi bem adaptado de sua referência original, “Warcraft”, o longa “A Torre Negra” irá agradar muito mais aos fãs da saga literária do que ao público que não conhece a obra de Stephen King. Ao não se distanciar apropriadamente de sua paixão e não abrir mão de alguns dogmas da história, o diretor Nikolaj Arcel faz um longa cheio de referências que não conversa com o expectador comum e consequentemente não encontra sua platéia. O que é uma pena para um material absolutamente rico, carregado de conceitos e conteúdo que nos são muito caros hoje em dia e que poderiam, com facilidade, gerar mais uma franquia de sucesso nos cinemas.

Rogério Montanare
@rmontanare

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