Cinema com Rapadura

Críticas   quarta-feira, 09 de agosto de 2017

O Estranho Que Nós Amamos (2017): Quando um remake é necessário

O cinema de Sofia Coppola se mantém firme na tentativa de construir personagens femininas densas. Desta vez, porém, o maior mérito é a atualização de um filme que ficou perdido no tempo pela forma como havia sido comandado.

Alguns filmes têm a necessidade de serem atualizados. Seja por problemas financeiros, seja pelo contexto histórico. Enquanto temos vários clássicos imortalizados, algumas obras sofrem mais com o tempo. Talvez esta seja uma das poucas justificativas compreensíveis para um remake: atualizar obras datadas.

“O Estranho Que Nós Amamos”, segunda adaptação do romance homônimo, é certamente um filme que precisava passar por essa atualização. A versão lançada em 1971, que contava com Clint Eastwood (“Gran Torino”) como o estranho citado no título, foi um filme que já nasceu datado. A visão que Don Siegel (“Alcatraz – Fuga Impossível”) deu para a trama, criou uma obra essencialmente machista e racista. Se para os padrões da época isso poderia ser aceitável de alguma forma, hoje é um filme de pouca relevância.

O longa se passa numa escola para mulheres no estado americano da Virgínia, em 1864, próximo do final da Guerra de Secessão. Em meio ao conflito, um cabo ianque (que lutava pelos estados do norte) é encontrado por uma das alunas e levado para dentro da escola para que possa ser curado dos ferimentos e então entregue para os confederados (estados do sul).

O trabalho de Sofia Coppola (“Bling Ring: A Gangue de Hollywood”) na reconstrução deste filme, muito mais do que um simples remake, uma nova adaptação do livro, é notável logo na primeira sequência. Com a remoção de alguns acontecimentos que não influenciam em quase nada na trama principal, Coppola aproveita por contar a história do ponto de vista das mulheres que vivem e trabalham na escola. Dessa forma, além de permitir mais tempo de tela para cada uma delas, o que possibilita a construção de personagens mais profundas, a diretora oferece uma nova visão à obra.

Esteticamente, é um dos trabalhos mais belos de Sofia Coppola. A diretora consegue criar um ambiente gótico e pesado que acompanha o público em boa parte do filme. Com a maioria das cenas se passando no interior da escola, a opção por iluminação natural em boa parte das cenas cria um cenário tenso. Em vários momentos as luzes de vela iluminam apenas os personagens, deixando os cantos escuros. A sensação é de que há algo de estranho tomando conta e de algo sempre à espreita.

Outra forma que a diretora utiliza para criar a sensação de isolamento é a ausência de uma trilha sonora. O filme inteiro só conta com trilha ambiente. Em determinados momentos, uma das alunas que decide tocar um instrumento, mas de forma geral, o silêncio absoluto toma conta do filme. Eventualmente quebrado por sons de pássaros, o que remete ao clássico “Pássaros” dirigido por Alfred Hitchcock. Todo o silêncio é somado à ambientação, criando a sensação de que tudo é muito real. A locação, os figurinos, a ausência de luz e som, tudo cria uma atmosfera tensa, quase nos obrigando a esperar que algo vá acontecer em algum momento.

Mas o grande destaque do filme está nas atuações. A personagem vivida por Nicole Kidman (“Lion: Uma Jornada Para Casa”) como a dona da escola é convincente. O ar de proteção com sua alunas e curiosidade com o cabo McBurney (Colin Farrell de “Animais Fantásticos e Onde Habitam”) cria uma ambiguidade que em certos momentos deixam dúvida sobre qual rumo ela irá tomar frente ao desenvolvimento do estranho que invade sua privacidade.

Farrell também entra em cena de forma menos “cafajeste-garanhão” se comparado à versão de Clint Eastwood. Coppola tomou o cuidado de fazê-lo despertar curiosidade, não o desejo sexual. A única que se deixa levar é Edwina (Kirsten Dunst de “Estrelas Além do Tempo”), porém nada é gratuito. Apesar da personagem deixar a desejar em relação à versão anterior, Edwina possui desejos reprimidos. É algo que existe independente da presença do soldado.

Existem ainda dois acontecimentos que beiram ao “deus ex-machina“, e mesmo não prejudicando a obra como um todo, diminuem a qualidade do roteiro, principalmente por ser algo que poderia ser facilmente resolvido. Aliás, são problemas criados para a nova versão, uma vez que o filme anterior deixava o contexto muito bem claro. São soluções justificadas na construção do longa, mas que surgem de maneira repentina. O fato de possuir soluções simples é o que pesa contra a diretora.

“O Estranho Que Nós Amamos”, como já dito, merecia essa atualização e a retirada da subtrama envolvendo o irmão de Martha, assim como a retirada da escrava, servem para quebrar estereótipos que não contribuem com a trama. Tratava-se de um filme datado e que ganha uma versão interessante, a partir do olhar de uma diretora que sabe trabalhar personagens femininas naturais, pouco caricatas. É um filme cujo valor está na tensão criada cena a cena e não em exageros que merecem ficar no passado.

Robinson Samulak Alves
@rsamulakalves

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