Cinema com Rapadura

Críticas   quinta-feira, 18 de maio de 2017

Rei Arthur – A Lenda da Espada (2017): um blockbuster bem melhor que a maioria

Sonora e visualmente, o filme é muito bom, com destaque para as montagens elípticas e para a ótima direção de Guy Ritchie. Entretanto, a falha reside onde os filmes de ação costumam errar: no roteiro.

Salvo louváveis exceções – como, por exemplo, “Mad Max: Estrada da Fúria” –, filmes de ação não têm o costume de primar por bons roteiros. O diferencial, portanto, acaba sendo qualquer outro atributo. “Rei Arthur – A Lenda da Espada” tem muitos atributos positivos para serem destacados.

Na trama, Arthur (Charlie Hunnam) é um jovem que desconhece a verdadeira origem e não tem noção do grandioso destino que o aguarda. Tudo muda quando o protagonista, para a sua própria surpresa, retira a espada Excalibur da pedra, tendo como novo inimigo o rei Vortigern (Jude Law), tirano que privou Arthur de sua família quando este ainda era criança.

No elenco, algumas estrelas: Jude Law (“A Espiã que Sabia de Menos”), aqui, um vilão mecânico; Eric Bana (o “Hulk” de 2003), em participação pequena; Djimon Hounsou (“Diamante de Sangue”), eficiente como de costume; Aidan Gillen (“Sing Street”), pouco relevante; e David Beckham – sim, o (ex-?) jogador… cujo talento futebolístico não se reflete em fração mínima na atuação. O protagonista é interpretado por Charlie Hunnam (da série “Sons of Anarchy”), ator cuja carreira no cinema ainda é modesta, dando vida a um Arthur sem tanta sabedoria, mas ardoroso. Astrid Berges-Frisbey (“Alaska”) tem uma carreira ainda mais discreta, o que não surpreende ao julgar a (falta de) interpretação neste filme de Guy Ritchie.

Sobre Ritchie, trabalhando também no roteiro e na produção, é na direção que ele esbanja competência. Trata-se de um diretor que vem desenvolvendo um estilo próprio desde “Sherlock Holmes”, prosseguindo em “O Agente da U.N.C.L.E.”. Em “Rei Arthur”, o trabalho é ainda mais lapidado: mantém-se a prevalência da fotografia escura e o slow motion em cenas de ação, adicionando um CGI de muita qualidade (em especial no clímax), muita ação e até mesmo uma pequena dose de suspense, em uma cena específica – a cena da espada (sabe-se o que vai acontecer, mas não como). A batalha épica do início tem uma grandiosidade surpreendente, com clara referência a “O Senhor dos Anéis”. Diversamente da imensa maioria das produções, o 3D aqui não é inútil, primeiro porque não são poucos os planos gerais e abertos em que as cenas são filmadas (o que aumenta a sensação de profundidade), e segundo porque há mais 3D ativo do que o comum (mas sem exagero).

Ritchie firmou uma parceria com James Herbert na maioria de seus filmes, agora, Herbert fez a que provavelmente foi a melhor montagem da sua carreira. Montagens elípticas não costumam ser fáceis, menos ainda quando o objetivo é transmitir a passagem do tempo e, concomitantemente, uma síntese do que aconteceu nesse tempo (isto é, não meramente a elipse). Ao resumir a passagem de Arthur da infância à fase adulta de maneira tão didática, o montador assume para si o protagonismo de uma das sequências da fita. Já na montagem elíptica dos desafios do protagonista nas Terras Sombrias, ainda que impressione a maneira pela qual Herbert manipulou o tempo, sintetizando os eventos sem seguir a ordem cronológica e sem se tornar confuso, paira uma sensação de desperdício de cenas que seriam fascinantes por se debruçarem sobre o fantástico. Outro momento fascinante em que a montagem chama a atenção é o de uma cena de interrogatório, em que Arthur faz um relato bastante dinâmico e divertido a um soldado.

Visualmente, o filme é muito bom. O figurino é correto, com um vilão que costuma se vestir com roupas escuras, enquanto o protagonista usa uma calça aparentemente de couro, marrom, e blusa e camisa de coloração creme, ou seja, sempre com a prevalência de cores mais claras. O design de produção apresenta uma criatura assustadoramente criativa para ajudar o vilão, sem fazer com que a fantasia fuja completamente ao real da época. Nesse sentido, o Medievo não é esquecido, em especial no aspecto sonoro: as músicas cantadas são belíssimas, respeitando o ritmo medieval (uma delas, com gaita de fole) sem olvidar a atmosfera de adrenalina da película (destaque para “The Devil and the Huntsman”, cantada por Sam Lee). As instrumentais combinam com a fita, algumas, porém, se tornam cansativas por serem repetitivas e intensas em demasia nas cenas de ação, que também já são intensas – o que prejudica até mesmo a edição de som, que foi feita com esmero, o que se percebe quando há silêncio (como quando o que se houve é a respiração ofegante de Arthur).

Como na imensa maioria dos filmes de ação, os maiores erros residem no roteiro. Em que pese o texto tente esboçar um protagonista com personalidade prepotente e arrogante em alguns momentos, isso não dá certo porque a essência da história que dá base ao enredo é profundamente maniqueísta. A magia que aparece em alguns momentos, ainda que faça sentido naquele universo, acaba funcionando como deus ex machina nas engrenagens narrativas. O plot dá a Arthur motivação suficiente, mas, não convencido por si mesmo, injeta subtramas dramáticas para aumentá-la, inflando o script de maneira desnecessária. Pior: falta substância ao roteiro – principalmente para além do que já se conhece. Não obstante, do ponto de vista sonoro e visual, “Rei Arthur – A Lenda da Espada” é muito bom. Ou seja, um blockbuster bem executado, o que já é muito mais do que a maioria.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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