Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 08 de maio de 2017

Alien: Covenant (2017): a grande traição de Ridley Scott

O sexto filme da franquia Alien é um show de erros conceituais, que ignoram completamente a mitologia e a ambientação da série.

Em 1979, um desconhecido diretor britânico chocou o mundo com um longa que misturava ficção científica e puro horror. “Alien, o Oitavo Passageiro” é a síntese da claustrofobia. Um filme corajoso, absurdamente bem construído e estruturado, que conta com uma aura e ambientação perfeita. Muitos anos depois, em 2012, portando uma respeitável e justa comenda de “mestre do cinema”, esse mesmo diretor, Ridley Scott, resolveu voltar ao universo espacial criado por ele, agora com “Prometheus”. Mais preocupado em tratar da criação da humanidade, do que com as criaturas fálicas e assombrosas do passado, Scott foi muito criticado por não abordar o terror e a climatização que tornam “Alien” a singularidade que é. Eis que em 2017 ele regressa mais uma vez em “Alien: Covenant” e promete publicamente, que o novo longa será tudo e mais um pouco que os fãs da franquia esperavam… pena que isso seja um embuste.

No longa, uma nave chamada Covenant, que transporta milhares de colonos para um novo planeta à ser povoado, recebe uma transmissão vinda de um sistema desconhecido e também aparentemente habitável. Uma vez neste local, eles são atacados por criaturas estranhas e encontram com o androide David (Michael Fassbender, de “Assassins Creed”), que foi um dos “sobreviventes” de Prometheus, e que agora vive neste planeta.

Todas as prévias, trailers e declarações do diretor apontavam para um filme denso, com uma personagem feminina forte, que “emularia” a personagem Ripley do longa de 79 e principalmente, que se distanciaria dos erros cometidos no filme anterior, porém, estranhamente, o que ocorre é exatamente o contrário. Scott constrói um suspense capenga, ancorado em todos os problemas e tropeços de “Prometheus”. Um exemplo é a incoerência das ações dos personagens, que beiram o absurdo. Se você achava que era estranho um geólogo explorador se perder, ou um biólogo tocar uma criatura alienígena que nunca viu, aqui você irá se assombrar quando descobrir que, aparentemente, todos os personagens voltaram a época pré-escolar. Afinal, qual o sentido de se explorar um planeta desconhecido sem proteção nenhuma? Ou que tal, depois de ter batalhado com dezenas de criaturas infernais, olhar bem de pertinho um ovo gigante que está se mexendo??

Os personagens são tão caricaturais e inexpressivos, que as atuações do longa mal podem ser avaliadas com justiça. A participação do ator James Franco (“A Entrevista”) é uma interrogação gigante e a atriz  Katherine Waterston (“Animais Fantásticos e Onde Habitam”) encolhe-se o longa todo e só reage, de maneira forçada e abrupta, no final. Outro personagem que carrega o fardo da bidimensionalidade é o do Capitão Oram (Billy Crudup, de “Wachtmen“), que também é uma espécie de “pastor”, e que comete a maioria das trapalhadas absurdas contidas no longa. Com o acréscimo de ser o chato que carrega a incômoda e inútil – na trama – “tocha da fé”, durante toda a sua participação. Se o resto só serve para ser comida de monstro, as exceções são os robôs “gêmeos” David e Walter, interpretados com competência por Fassbender e que são, basicamente, alter-egos um do outro e levam o enredo do filme à frente. A busca pela criação do passado continua, só que agora com David tomando as rédeas, enquanto Walter, que é uma versão mais moderna e menos passional de David, serve fielmente e cegamente os seus criadores.

Tecnicamente o longa também é instável. Se por um lado as locações em Sydney, na Austrália, e a direção de arte são impecáveis, o mesmo não pode ser dito dos efeitos especiais. Principalmente os envolvidos nas criaturas. Existem dois tipos de monstros na história e nenhum deles parece ter peso ou ser palpável de verdade. A escolha da nova caracterização do Xenomorfo clássico, utilizando um modelo hi-tech parecido com o de “Alien vs Predador” é um equívoco tão óbvio, que chega a dar saudade da roupa emborrachada utilizada no passado. A única coisa que remete ao longa original mesmo é a trilha sonora, que é praticamente a mesma do primeiro filme. Porém, em ambientes abertos, onde boa parte da ação acontece, ela também acaba não funcionando tão bem.

“Alien: Covenant” na verdade deveria se chamar “Prometheus 2”, mas obviamente o diretor não quis associar seu novo filme com outro que foi duramente criticado no passado, mesmo que claramente ele seja uma continuação direta daquela história. Além de induzir o expectador ao erro, a inacreditável multiplicação das evidentes falhas e defeitos que foram cometidos passado são imperdoáveis. Scott claramente não dá a mínima para xenomorfos, facehuggers ou na mitologia que se criou em torno deles. Neste longa, fica claro que a intenção dele, quando aceitou voltar a franquia que o fez famoso, sempre foi a de contar uma história totalmente diferente do que esperávamos. Uma que fala sobre fé, criação, criatura e as responsabilidades envolvidas nisso. Portanto, quando ele mistura o que quer e o que não quer, com o aparente intuito de viabilizar financeiramente a sua obra, o diretor tristemente trai o seu próprio argumento, sua carreira e, principalmente, nós, os incautos e esperançosos fãs do diretor e da franquia.

Rogério Montanare
@rmontanare

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