Cinema com Rapadura

Críticas   quarta-feira, 15 de março de 2017

Waiting for B. (2015): talentos ao relento social

O documentário sobre jovens que passam dois meses na fila para ver um show da Beyoncé, surpreende como um retrato bem humorado sobre uma parcela da sociedade que necessita passar por cima de muitas dificuldades até para conseguir as coisas mais simples.

À primeira vista, “Waiting for B.” é um documentário sobre a saga de dezenas de jovens, que por não terem condições financeiras para comprar os ingressos da famigerada “pista premium”, ficam dois meses na fila do estádio do Morumbi, em São Paulo, para assistir ao show da cantora Beyoncé. Porém, em seu estofo, existem camadas muito mais complexas neste relato sobre a falta de oportunidades e dos diversos preconceitos da sociedade em geral.

Os diretores Paulo Cesar Toledo e Abigail Spindel – que produziram e montaram o pequeno filme imaginando que ele seria lançado diretamente em alguma plataforma de streaming – ou foram certeiros na escolha dos personagens e da história que queriam contar, ou tiveram muita sorte de encontrar tipos tão distintos e tão dissociativos de suas características básicas. Apesar do foco estar direcionado ao “elenco” LGBT, até porque como os próprios “personagens” do filme dizem em um hilário momento do longa, “para ser muito fã da cantora Beyoncé, a pessoa precisa ser homossexual!!!”, o documentário encontra detalhes e gestos que o transformam no retrato de uma juventude sedenta por liberdade e que luta com todas as forças para se manter na vida social.

Nestes dois meses transformados em uma hora e dez minutos de filme, conhecemos variados perfis e talentos escondidos, como o do rapaz que é o primeiro da fila e se mostra um excelente profissional da organização, conseguindo manter os direitos dos acampados até o último minuto. Ou o do jovem da periferia, trabalhador de um salão de cabeleireiro no shopping e presta duras contas financeiras à sua mãe, que praticamente não lhe transmite afeição. Conhecemos também a garota moradora de uma Cohab (conjunto habitacional comum nas periferias da cidade de São Paulo) e é cover da cantora americana. Segundo ela, apesar de ter feito tudo manualmente, possui o melhor figurino do Brasil. E talvez a melhor de todas, a do rapaz negro que sofreu bullying de heterossexuais a vida toda por ser gay e que agora sofre preconceito dos gays por ser negro. Mas ele deixa isso tudo para trás quando se produz “divinamente”como uma “gloriosa” Beyoncé para assistir ao show.

A estrutura das filmagens é bastante simples e uma das características mais chamativas é a naturalidade com que a equipe consegue extrair estas pequenas histórias e detalhes enriquecedores. Conseguindo a confiança de seus “documentados”, a impressão é a de que eles acertaram em muito mais do que miraram inicialmente.

Outro fator a se louvar é a trilha sonora, que por falta de orçamento não pôde contar com as músicas da musa americana que dá nome ao filme, porém é bastante eficiente e dá ritmo ao longa.

“Waiting for B.” é um filme curto e divertido sobre jovens, na sua maioria gays e pobres, que enfrentam com muito bom humor um mundo que não os agrega. Um mundo que os afasta com truculência e violência. Um mundo que eles encaram de frente, as vezes necessitando esconder o seu verdadeiro eu, como no momento em que ocorre um jogo de futebol no estádio e eles se distanciam de seus lugares na fila utilizando uma falsa expressão sisuda, sem personalidade, usando uma cara que infantilmente a sociedade aceita e espera de todos. Sem exceção.

Rogério Montanare
@rmontanare

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