Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Toni Erdmann (2017): Os tiozões também têm coração!

O filme alemão, indicado ao Oscar de melhor filme em língua estrangeira, é uma viagem bem humorada e emocionante em que um amalucado pai busca apenas a felicidade de sua filha.

Em toda família que se preze, existe aquele senhorzinho que faz uma piada a cada cinco minutos, que se fantasia toscamente para chamar a atenção, que estoura os balões de aniversário antes da hora e que profere aquela velha frase singular, sempre que avista um doce de camadas – “É pavê ou pra comê?”. Mais conhecido como “tiozões do pavê”, estes seres perambulam pelas festas da parentada, sempre prontos para tentarem arrancar uma risada de alguém, nem que seja tirando sarro de sua própria cara. “Toni Erdmann”, de certa forma, é uma espécie de biografia deste tipo de gente, nos mostrando brilhantemente que eles podem ter alma e coração e que por trás de suas atitude bobas e previsíveis, pode existir uma sabedoria única e uma solidão escondida.

A história de um senhor alemão que perde quase toda a sua utilidade social e parte em busca de uma relação mais próxima com a filha que mora em Bucareste, poderia se tornar mais um grande dramalhão edificante como tantos outros filmes hollywoodianos que vemos por aí, mas que na mão da competentíssima diretora e roteirista Maren Ade (“Todos os Outros”), se transforma em uma viagem para dentro da alma de seus personagens, mantendo um incrível bom humor nonsense. A personagem da filha, que poderia ser usada como ferramenta do auto-entendimento do pai ou como uma mera “aluna” dos ensinamentos de seu genitor, se mostra ainda mais complexa e heterogênea do que ele.

O roteiro do filme encontra tempo para os dois personagens revelarem-se da forma mais quebrada e insólita possível, porém mantendo os laços que nos ligam a eles o tempo todo. Seja em uma comemoração simples de aniversário, que se torna uma festa do cabide com um monstro cabeludo de quase três metros de altura, seja em uma inusitada parceria musical, ao som de Whitney Houston, na casa de pessoas totalmente desconhecidas, as histórias dos dois vão se enriquecendo a tal ponto que você poderia afirmar que os conhece mais do que eles mesmos. Mesmo que a trama não seja entregue assim tão de bandeja.

Peter Simonischek (“Biest”) como Winfried/pai e Sandra Hüller (“Über uns das All”) como Inês/filha, encarnam todo o espírito do filme com uma sensibilidade ímpar. Suas interpretações, por vezes introspectivas e por outras, assustadoramente extrovertidas, esculpem e entalham cada nuance de seus queridos personagens na tela. É praticamente impossível se manter indiferente aos momentos em que Winfried coloca sua peruca descabelada, sua pequena dentadura “dentuça” e se transforma no enigmático e estranho Toni Erdmann, afinal, é como esse maluco cabeludo, que nos faz rir pelo absurdo, resolve se aproximar da filha workaholic – mesmo que ela não queira – somente para tentar mostrar a ela um insólito e tortuoso caminho para uma vida melhor.

Por outro lado, essa mesma Inês, apesar de exibir uma máscara de sucesso profissional, vive uma vida infeliz e de eterna busca solitária, não deixando espaço para mais nada e nem ninguém. Não estranhe que eu tenha confundido as atuações com os personagens neste trecho, pois é exatamente esta a intenção de Maren Ade neste longa, mostrar que pessoas totalmente normais, como seus vizinhos aí do lado, podem ser personagens que vivem e convivem com histórias insólitas e demandas incompreendidas.

Outro show da diretora é a na composição de cenas. Com quadros simples, que demonstram a desigualdade da vida na Romênia, ela se utiliza quase apenas do visual para criticar o desequilíbrio econômico europeu. Porém, quando Ade resolve chafurdar na lama da discrepância social, entrega uma das cenas mais tocantes do longa, quando um homem pobre oferece uso de seu vaso sanitário – que de tão raro na região, fica na sala de visitas de sua casa – para os homens que estão destruindo seu pequeno terreno em uma construção de oleoduto.

“Toni Erdmann”, sem ser piegas ou previsível, é uma grande lição de vida em forma de filme. É um longa que nos faz enxergar uma humanidade multifacetada que nos é muito cara e que dificilmente é demonstrada em película. Depois de assisti-lo, eu aposto que no próximo aniversário da família e na próxima piada do pavê, você ficará feliz em gargalhar… nem que seja para deixar o velho “tiozão” feliz também!

Rogério Montanare
@rmontanare

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