Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 03 de fevereiro de 2017

Beleza Oculta (2016): oculta não, inexistente

“Implorando por Lágrimas”: é esse o subtítulo ideal para o novo filme de Will “expressão de paisagem” Smith.

Ocultar significa esconder. “Beleza Oculta”, portanto, seria “beleza escondida”. Não é sinônimo, pois, de “beleza colateral”, tradução mais fiel do nome original (“Collateral Beauty”) do filme protagonizado por Will Smith (“À Procura da Felicidade”). Entretanto, os dois nomes incorrem no mesmo equívoco: não há beleza alguma no longa. O que está oculto – isso sim – é a má qualidade do produto, velada por artifícios desonrosos que ludibriam o espectador ingênuo.

A sinopse já é uma enganação: após uma tragédia, Howard (Will Smith) começa a escrever cartas para abstrações – Morte, Tempo e Amor –, que, para a sua surpresa, aparecem corporificadas (respectivamente, Helen Mirren, Jacob Latimore e Keira Knightley) para conversar com ele e tentar tirá-lo da tristeza. A enganação repousa em um spoiler que não será aqui revelado, ficando apenas o alerta.

Repleto de incoerências, a fita tem três coadjuvantes – Claire (Kate Winslet, e “Titanic”), Whit (Edward Norton, de “Clube da Luta”) e Simon (Michael Peña, de “Homem-Formiga”) – que trabalham com Howard e que são anunciados como seus amigos, quando, na verdade, tentam ajudar o chefe não por solidariedade, mas por interesse próprio. Pior, são inescrupulosos a ponto de moldar uma farsa em benefício próprio e em prejuízo (ao menos à imagem) de Howard. Pisando em ovos, o longa cria para si uma armadilha, depois simplesmente ignorada, como se nunca tivesse existido e como se não tivesse a gravidade que tem. Como todo roteiro ruim, furos e pontas soltas também não faltam: se o depressivo protagonista sai de casa apenas para trabalhar e ir a um parque, como Amor pode encontrá-lo em uma lanchonete?

Tudo que começa a ser problematizado na subtrama se esvai em um texto covarde, que usa o melodrama como pretexto para solucionar magicamente qualquer arco dramático menor. A solução de Whit com a filha é tão simplista e artificial que chega a ser risível. Que criança fala daquela forma? Ainda mais grave, é dado maior destaque a Whit do que a Simon e, principalmente, a Claire. Qual o motivo? Os três se associam, individualmente, às abstrações e, por coincidência, é justamente o enfrentamento que cada um deles precisa para o momento pessoal (para o mulherengo, Amor, e assim por diante). Conveniente, não? Quanto ao protagonista, o plot tem uma reviravolta previsível tentando manipular o espectador, implorando por rios de lágrimas com uma pieguice estúpida.

Não se trata de entender ou sentir a história – até porque não há nada para entender ou sentir diante de um vazio tão imenso –, não é uma questão de inteligibilidade ou sensibilidade: o texto é oco, dele não se extrai nada de realmente profundo. Existem muitos dramas infinitamente superiores. O roteiro não é emocionante, apenas tem aparência de emocionante. No fundo, menospreza seu público em razão do caráter superficial e apelativo, enganando espectadores ingênuos, que se deixam levar por uma história triste interpretada por rostos famosos.

E “rostos famosos” não significa absolutamente nada. Em tese, reunir Kate Winslet, Edward Norton e Helen Mirren (“A Rainha“) em um só filme seria sinônimo de qualidade. Mas não: “Beleza Oculta” consegue ocultar não apenas sua qualidade ruim como também o talento dos bons artistas do cast. Todos estão em atuação péssima, exceto Mirren, que parece se divertir com o sabor agridoce da personagem. Por sua vez, se Will Smith pensa que vai se redimir pelos terríveis trabalhos recentes, engana-se profundamente – ao menos não fazendo expressão de paisagem insossa. Quanto a Michael Peña… uma geladeira tem mais emoção. Naomie Harris (“Moonlight”)? Sua presença é irrelevante

Allan Loeb, roteirista responsável pelas pérolas recentes (de 2012) “Professor Peso Pesado” e “A Super Agente”, assina um dos roteiros de pior elaboração dos últimos anos. O diretor David Frankel, acostumado com sentimentalismo cinematográfico de conteúdo questionável (“Um Divã para Dois”, “Apenas uma Chance” e “Marley e Eu”), encontra desta vez seu pote de ouro no final do arco-íris. Cenas de contemplação, músicas motivadoras, belíssimos planos de Nova Iorque, contraluz para dar ar angelical: todos os recursos clichês foram usados e abusados.

Também abusada fica a paciência de qualquer indivíduo que se propõe a assistir ao filme com um mínimo olhar crítico. Ao invés de se deixar levar pelo dramalhão velado por atuações descompromissadas, melhor atentar para o que realmente está na telona. Nesse caso, a conclusão é inevitável: “Beleza Oculta” não tem beleza nenhuma para ocultar.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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