Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

A Qualquer Custo (2016): um bom exemplar de western contemporâneo

Apesar do roteiro intrincado, é ótima a representação atual do “Velho Oeste”. O clima seco e o calor que Jeff Bridges e elenco suportam é quase sensível também ao espectador.

Sem inventar a roda, “A Qualquer Custo” importa um drama familiar, mesclado com história de assaltantes para a estrutura de western contemporâneo, fazendo-o de maneira “apenas” competente. Há que se ressaltar, porém, que fazer o básico nem sempre é fácil.

O enredo parte dos roubos executados pelos irmãos Tanner (Ben Foster, de “Warcraft – O Primeiro Encontro de Dois Mundos”) e Toby (Chris Pine, de “Star Trek: Sem Fronteiras”) a bancos em diversas cidades no Texas, tendo eles um objetivo desvendado no decorrer da trama (e que envolve sua família). No seu encalço está Marcus Hamilton (Jeff Bridges, de “O Grande Lebowski”), delegado “Texas Ranger” prestes a se aposentar, mas determinado a impedir novos roubos e prendê-los antes da aposentadoria.

O roteiro conta com informações diluídas e não faz questão de ser didático com o espectador. Ao revés, o contexto é exposto de maneira difusa propositalmente, em especial as motivações dos irmãos. A vantagem é a atmosfera misteriosa, que torna a narrativa mais complexa, exigindo atenção do público para que tudo fique claro (o que facilita a sua dispersão) – em especial na cena com o advogado, desnecessariamente sintética e veloz, que teria contribuído mais caso fosse alongada. Tanner é dedicado ao crime, residindo um conteúdo maior em Toby, mais complexo que parece. De todo modo, deixar para o segundo ato a explicação de tudo que cerca a trama, torna o roteiro um pouco intrincado, o que se soma à nebulosidade do passado dos irmãos e à vagueza do final como defeitos do script. Além, claro, da previsibilidade.

Por outro lado, há bastante inteligência no subtexto (auxiliado pelas pistas deixadas pelo diretor em outdoors e pichações, relativas ao cerne do arco dramático de Toby) e a construção das personagens é excelente. É constante o esboço da visão texana das pessoas, concretizada por diversos estereótipos – por exemplo, um idoso fica surpreso pelo assalto ser executado por pessoas não mexicanas, reflexo de uma discriminação popularmente conhecida. Também o planejamento prévio dos roubos revela inteligência. No que se refere às personagens, convivem na narrativa duas duplas cuja interação é fascinante. De um lado, Tanner e Toby; de outro, Marcus e Alberto.

Os irmãos, cada um à sua maneira, nutrem carinho e se protegem mutuamente (do álcool, das mulheres potencialmente interesseiras, do que for necessário). Ben Foster e Chris Pine encarnam bem as figuras quase opostas (seus tipos físicos também colaboram): Tanner é violento e bastante agressivo (inclusive na linguagem, no uso de palavras de baixo calão de forma banal), sentindo prazer em cometer ilicitudes; já Toby é um pai preocupado, um homem gentil com todos, encarando o crime como um mal necessário. No outro vértice, Marcus e Alberto (Gil Birmingham, da saga “Crepúsculo”) também são unidos por um laço de afeto, para além do profissional. Entre diálogos de provocação mútua (especialmente quanto à aposentadoria iminente do primeiro e à descendência indígena do segundo), a dupla diverte o público enquanto persegue os irmãos ladrões. Há certo antagonismo entre os quatro (todos humanizados, isto é, imperfeitos), mas o verdadeiro vilão é revelado durante o longa.

Jeff Bridges merece um parágrafo à parte. O papel não lhe representa grande novidade (tampouco o gênero western), todavia, existem trejeitos que explicitam o quão bom o ator é (basta comparar com Rooster Cogbum, de “Bravura Indômita”) – e não se trata meramente do sotaque texano, que o elenco todo executa. Bom exemplo é a forma de se despedir: com um simples aceno, de costas, com o olhar baixo e semblante sério. Marcus é inteligente e seu trabalho como investigador rende os momentos mais instigantes do filme, certamente graças à eficiência de Bridges.

No que se refere aos demais atributos, trilha sonora, fotografia e figurino merecem análise detida. As músicas – como não poderiam deixar de ser – apostam no country cantado (não apenas instrumental), um prato cheio para quem gosta do estilo. Inexplicavelmente, vão rareando no decorrer da película, funcionando muito bem na primeira meia hora, quase uma personagem extra. A fotografia, aliada ao figurino, transmite tudo que representa o faroeste: paisagens áridas, tons pastéis (vestuário que varia entre tons como camurça, marfim e areia, até um verde pasto mais para o final) e o típico uniforme de caubói (chapéu, calça jeans, camisa e botas de couro).

O diretor David Mackenzie (“Sentidos do Amor”) consegue criar o clima de faroeste com todos esses elementos, tentando imprimir realismo com a prevalência de takes longos. Contudo, não há nada de notório no seu trabalho. O espectador consegue sentir a secura e o calor do local, quase recorrendo a cervejas ou refrigerantes tal qual as personagens. A proposta, portanto, é muito bem executada. “A Qualquer Custo” dificilmente se consagrará como clássico, mas é um bom exemplar de western contemporâneo.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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