Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

La La Land – Cantando Estações (2016): magnífico é pouco

Tecnicamente impecável, o enredo singelo é esquecido diante de tantos atributos executados com maestria: direção de arte, atuações, trilha sonora, fotografia, design de produção, figurino, iluminação, montagem e, claro, a direção maravilhosa de Damien Chazelle.

Com uma subjetividade romântica e uma estética parnasiana, Damien Chazelle, responsável pelo ótimo “Whiplash – Em Busca da Perfeição”, apresenta ao público uma obra magnífica. “La La Land – Cantando Estações” representa a confirmação de que o jovem e talentoso diretor consegue atingir a excelência.

Também roteirista, Chazelle elabora uma narrativa minimalista, sucinta a ponto de resultar em um plot bastante singelo. Isso significa que não se trata de um filme para ser assistido pelo objeto retratado, mas pela maneira pela qual ele retrata. As estrelas são Mia (Emma Stone, “Birdman”) e Sebastian (Ryan Gosling, “Drive”), jovens que sonham com o sucesso enquanto enfrentam a realidade de Los Angeles: ela é garçonete, mas quer ser atriz; ele é um pianista que não consegue se manter no emprego por insistir no quase falecido jazz. Mia é tão apaixonada por atuação que tem na parede do seu quarto um enorme decalque com a imagem de Ingrid Bergman. Contudo, os testes que faz nunca dão frutos. Sebastian também é um apaixonado, mas por jazz. Ciente de que as pessoas cada vez mais gostam menos do gênero musical, ele quer criar um clube de jazz para salvá-lo, o que exige um dinheiro que ele não tem (nem consegue adquirir). Após uma primeira interação nada amigável, os dois se apaixonam perdidamente, perseguindo juntos o sucesso almejado.

Paira sobre a película uma atmosfera romântica entre os sujeitos que estão no foco – inclusive com clichês, a começar pelo estereótipo da garçonete que quer ser atriz. Os acontecimentos em si não são tão relevantes – o que justifica a montagem elíptica em diversos momentos –, o que importa é todo o “resto”, que é deslumbrante. São atores inquestionavelmente competentes, todavia, não se pode negar que Stone ofusca Gosling quando contracenam juntos (sozinho, ele melhora), pois a atriz faz mais uma interpretação sensacional. J. K. Simmons tem participação minúscula (quase uma cortesia em razão do Oscar em “Whiplash”), assim como John Legend, que está lá para ceder o talento vocal (Gosling canta pouco e não o faz muito bem; Stone é vocalmente comum, mas transmite muitas emoções cantando) e para protagonizar um monólogo sobre mudança de paradigma na música (a filosofia de Thomas Kuhn é usada como fundamento para criticar o tradicionalismo musical exacerbado).

O que faz de “La La Land” diferenciado é sua estética parnasiana (fazendo-se aqui uma analogia em relação aos pilares do movimento literário): os sons e as imagens são arrebatadores. O imprescindível está lá: o musical tem ótimas canções, tão boas que contagiam o espectador, quase impelido a aderir às coreografias muito bem executadas pelo elenco. Merece nota a mixagem de som, que consegue dosar tudo que a edição fornece (destaque para o som dos sapatos no asfalto).

Ou seja, do ponto de vista essencialmente técnico, trata-se de um fenômeno! Chazelle elabora uma homenagem à “Era de Ouro de Hollywood”, fazendo referências expressas a clássicos (“Casablanca” e “Juventude Transviada”), mas também implícitas: o abuso das cores lembra “O Mágico de Oz” (de 1939), enquanto Gosling tem seu momento Gene Kelly em torno de um poste (“Cantando na Chuva”). No que se refere às cores, o figurino de Stone varia bastante (azul, amarelo, verde, preto, branco, roxo), dando ensejo à primorosa fotografia – com auge na cena em que Sebastian está em um pier, onde se vê céu e mar inicialmente de coloração violeta, mudando para azul escuro quando a câmera faz um movimento de apenas noventa graus. Criativa, a direção de arte se esmera na criação dos cenários, exemplo é o banheiro da casa de Mia, que mistura uma cortina estampada em vermelho rosado e fundo branco, parede rosa e azulejo verde. Com CGI bem executado (em especial na fabulosa e delicada cena no planetário), o design de produção é exemplar.

Tudo isso comandado pela maravilhosa direção, cuja qualidade fica evidente já no fantástico prólogo, um plano-sequência dificílimo. Chazelle dá clara preferência por planos longos e planos-sequência (eventualmente simulando, como fez Iñárritu em “Birdman”, exemplo recente que também aposta na metalinguagem artística), o que impacta na montagem: são poucos os cortes e as transições evitam fades, prevalecendo fusão (transição suave de um plano para outro), wipe (substitui um plano por outro) e máscara em círculo (um círculo se fechando em um ponto até a tela ficar preta e abrir novamente da mesma forma, artifício recorrente no cinema mudo). A montagem também não tem muito espaço para pingue-pongue nos diálogos, pois o two-shot constitui maioria nas filmagens – o que se traduz como domínio da mise-en-scène, fato irrefutável em “La La Land”. Enquadramentos inteligentes, brilhante uso do fora de campo (como na cena do carro e na vista que o espectador não vê) e movimentações de câmera cirurgicamente planejadas (vide as aproximações com zoom in e close nos momentos dramáticos) são outros atributos do magistral trabalho de direção. Impossível deixar de mencionar, ainda, a fenomenal iluminação (uma atração à parte!), que adota tanto a luz difusa – a tradicional iluminação de três pontos, usando uma cortina verde e um abajur como contraluz – quanto a luz concentrada, esta vindo de cima, em cenas essencialmente musicais – deixa o foco em um artista, apagando os demais em razão da escuridão, gerando um efeito chiaroscuro, semelhante ao que é feito no teatro.

Como todo filme que quer ser grande, “La La Land – Cantando Estações” conta com um grand finale para seu modesto script. Porém, quando a fita alcança seu encerramento, o desfecho em si se torna irrelevante, vez que o público já está fascinado com tudo que foi feito até então. Assim, necessário retificar o que foi dito anteriormente: magnífico é pouco para classificar o longa.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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