Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 05 de janeiro de 2017

Invasão Zumbi (2016): claustrofobia, velocidade e mortos-vivos

Um dos mais eletrizantes longas de terror a ser lançado nos últimos anos, esta produção sul-coreana bebe muito do ritmo acelerado das animações orientais.

Desde seus primórdios, os roteiros dos filmes de zumbi têm fortes raízes em alegorias sociais, utilizando a selvageria contagiante dos mortos-vivos e/ou a forma como os humanos reagem às criaturas como uma metáfora para os males que afligem nossa civilização. O sul-coreano “Invasão Zumbi” não foge a esta regra (e fica aqui o meu protesto contra o genérico título que “Trem Para Busan” ganhou no Brasil).

Escrito e dirigido pelo estreante em live-action Sang-ho Yeon, a trama do longa mostra o empresário Sok-woo (Yoo Gong), um pai relapso que, após decepcionar sua filha Soo-an (Soo-an Kim) em seu aniversário, resolve fazer a vontade da menina e levá-la para ver a mãe na cidade de Busan. No trem para lá, uma epidemia se alastra pelo país, transformando os infectados em zumbis raivosos e, obviamente, infecta também alguns dos passageiros do veículo, forçando os não-infectados a lutarem por suas vidas.

Como pode ser visto, o filme segue a cartilha básica de filmes de terror. Um prólogo apresenta a ameaça, os personagens são apresentados (dando tempo para o público conhecer e simpatizar e/ou desgostar deles) e depois o inferno acontece. Até mesmo os demais personagens da narrativa são estereótipos carismáticos, facilmente reconhecíveis e deveras apegáveis (ou detestáveis).

Temos o pai de família abnegado (Dong-seok Ma, o membro mais carismático do elenco), sua esposa grávida (Yu-mi Jung), o casal de jovens estudantes (Woo-sik Choi e Sohee), o mendigo “invisível” (Gwi-hwa Choi) e, é óbvio, o vilanesco empresário (Eui-sung Kim), representando a arrogante mentalidade corporativa, certamente o grande antagonista do cinema mundial contemporâneo.

Na melhor tradição do melodrama oriental, há um certo overacting por parte dos atores, entretanto isso faz parte do método de atuação coreano e, inclusive, combina com o ritmo acelerado da narrativa. Em alguns momentos, a pequena atriz Soo-an Kim soa aborrecida, mas aos poucos ela ganha força para conquistar o público. Há ainda uma dinâmica interessante entre o protagonista vivido por Yoo Gang e os personagens de Dong-seok Ma e Eui-sung Kim. O primeiro representa o que ele deveria ser, ou seja, corajoso e altruísta. O outro, o que ele pode vir a ser se continuar no seu caminho atual, um homem covarde e egoísta. O melhor e o pior da humanidade encarnados – às vezes, com um exagero que só pode ser proposital, especialmente no terceiro ato.

Um dos maiores diferenciais da produção é a intensidade com que tudo acontece, com a montagem se mostrando tão acelerada quanto o veículo de passageiros do título original. Existem bolsões para cimentar a trama e conectar o público com os personagens – que funcionam bem para fazer com que torçamos por sua sobrevivência ou morte – e são colocados quase como rápidas paradas estrategicamente em uma estação, com o ritmo acelerado sendo o padrão da produção, quase em paralelo com o andar da locomotiva.

Vindo do mundo da animação, Yeon sabe da importância do visual ao se contar uma narrativa cinematográfica. Por mais que o roteiro seja “simples”, a narrativa torna-se mais carregada justamente porque Yeon entende que não precisa colocar tudo que o público precisa saber através de diálogos, que elementos visuais podem transmitir essas informações de forma tão ou mais eficiente que palavras.

Neste sentido, desde o figurino dos personagens e a maquiagem feral dos zumbis, passando pela forma fantástica que ele fotografa o claustrofóbico trem e a assustadora estação, palco de uma complexa cena de ação, até o clímax em campo aberto, local onde uma verdadeira massa de mortos vivos é apresentada (pense na “pirâmide” de desmortos de “Guerra Mundial Z”, mas na horizontal), tudo é milimetricamente pensado para transmitir o máximo de informação e sentimento através de imagens.

A energia frenética do longa combina com suas performances e alegorias mais exageradas, fazendo de “Invasão Zumbi” um dos mais honestos e interessantes longas de terror dos últimos anos. Recomendado.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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