Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Fallen (2016): um lindo jardim e nada mais

De maneira rara, o filme consegue ser ruim em praticamente tudo: roteiro, direção, efeitos visuais, atuações, montagem, figurino e penteado. Certamente, é um dos piores de 2016.

Sem alarde, chega aos cinemas uma nova saga de romance juvenil baseada em obra literária. Se “Crepúsculo” é uma franquia bastante frágil – ao menos a do cinema, pois o objeto de análise aqui não é livro algum –, o primeiro capítulo de “Fallen” consegue a proeza de ser inferior. O livro pode ser bom, mas o filme é um descalabro completo.

O argumento tem dignidade, porém, a desconstrução narrativa sepulta o potencial. A protagonista é Lucinda (“Luce”) Price (Addison Timlin), jovem que vai para um reformatório após a morte misteriosa de seu namorado. Lá, a garota se interessa por dois rapazes, sem saber que eles são anjos que caíram do céu por não optarem por um lado na guerra entre Deus e Lúcifer. Cam (Harrison Gilbertson) não demora para se aproximar de Luce, enquanto Daniel (Jeremy Irvine) é relutante e prefere não se envolver com ela. Porém, memórias das vidas anteriores de Lucinda indicam que é com Daniel que ela deve ficar, mesmo que tenha de pagar um caro preço.

Como se percebe, trata-se de um pueril romance fantástico (no sentido de fantasia) voltado ao público adolescente. Na sétima arte, são raros os exemplos de romances fantásticos que deram certo – “A Bela e a Fera” é, provavelmente, o de maior sucesso. No caso de “Fallen”, quase todos os elementos são ruins.

A construção das personagens é pífia, além de rasa. Não se sabe o histórico de Lucinda, para além do evento com o namorado. Em um primeiro momento, aparentemente, ela nutre afeto enorme por seus pais e sofre com a distância (uma ligação por semana é tida como insuficiente para ela), contudo, tal fator é esquecido ainda no primeiro terço do longa. Sendo o triângulo amoroso o núcleo da trama, os coadjuvantes têm minúscula participação – quando a eles é dada importância, a participação é falha (é o caso da nova melhor amiga, cuja amizade se forma de maneira tão veloz que transparece constituir um vínculo forçado e artificial).

O texto é inusitado por se construir a partir de uma mistura teológica inusitada, entretanto, o subtexto se assenta em uma ideologia machista, segundo a qual a mulher precisa (necessariamente) estar acompanhada de um homem para se sentir plena – sem olvidar pensamentos afins, como a vulnerabilidade feminina. Exceção feita à cena da moto, Luce é o elo frágil do triângulo amoroso, tendo duas opções que não a satisfazem plenamente (mas que, ainda assim, são enxergadas como as únicas opções que ela tem para se relacionar afetivamente). Mais que isso, são várias as dúvidas que surgem sem resposta no roteiro. Por que os anjos não decidiram um lado na guerra? Qual a razão da rivalidade entre Cam e Daniel (apenas Luce?)? Por que alguns anjos são vistos como maus, se todos estão na mesma situação?

O plot twist do terço final consegue causar surpresa, porém, a ausência de antagonista é fatal para o roteiro. Melhor falar em “terço final” e não “terceiro ato”, afinal, a estrutura narrativa é extremamente confusa e nebulosa em seu desenvolvimento. Se o texto é formulaico, superficial e não raras vezes incoerente, a direção de Robert Scott Hicks é pavorosa. São exemplos os enquadramentos questionáveis (a cena da piscina é um bom exemplo, aliás, um desperdício diante do potencial do ambiente) e as metáforas imbecis (como quando Daniel derruba um objeto na biblioteca), que são fartos. Piores ainda os efeitos visuais, absurdamente ruins e flagrantemente amadores quando potencializados no slow motion. De bônus, um déjà vu de “Crepúsculo”: a frágil dama é salva de um acidente pelo enigmático e surpreendentemente poderoso príncipe. Deve ser o ano do apocalipse – não pelo filme da franquia X-Men, mas porque certamente há algo muito errado quando “Twilight” é usado como modelo a ser imitado. Imaginar que Kristen Stewart com seus vampiros consegue interpretar melhor e ser mais carismática que outra atriz em filme análogo é, no mínimo, espantoso.

O elenco usa um figurino burocrático. Prevalecem as cores escuras (preto, em especial), com destaque a um casaco de lã usado por Daniel (referência a um modelo “mauricinho”), contraposto à jaqueta de couro de Cam (vestuário sempre atrelado à subversão). O penteado também é o óbvio: Daniel com um corte tradicional; Cam com os fios mais longos, visual antigamente visto como o de adolescente rebelde.

Fallen” – reitera-se, o filme, e não o livro – deve merecer um elogio por algum elemento. As atuações? Não, embora Gilbertson tenha melhorado consideravelmente em relação a “Need for Speed – O Filme”. Quanto a Irvine, a aparência angelical (jovem de pele e olhos claros) é insuficiente. A montagem? Não, o uso de campo-contracampo terrível e sem timing. O design de som? Não, nada que se ouve da fita consegue ser marcante. Mas sim, existe algo positivo: é lindo o jardim da casa usada como cenário.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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