Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 27 de outubro de 2016

O Mestre Dos Gênios (2016): um grande potencial desperdiçado

Adaptação deixa a desejar por não conseguir contar uma história a altura de seus personagens.

F. Scott Fitzgerald. Ernest Hemingway. Thomas Wolfe. Além de estarem no panteão dos maiores escritores da literatura americana, eles tinham em comum um detalhe importantíssimo: seu editor, Maxwell Perkins, que trabalhava na conceituada editora Charles Scribner’s Sons, de Nova Iorque. Max ganhou notoriedade por ter tido grande influência no trabalho de vários autores, com maior destaque, obviamente, para estes três. Sua história é contada no livro “Max Perkins – Um Editor de Gênios” de A. Scott Berg. Agora, essa história é trazida para as telas dos cinemas pelo diretor Michael Grandage, com roteiro de John Logan.

“Mestre dos Gênios” conta a história do relacionamento entre Max Perkins (Colin Firth) e Thomas Wolfe (Jude Law), desde o momento em que se conhecem, na época da Grande Recessão de 1929. Max já era um editor renomado e Wolfe um ambicioso aspirante a profissional. Por conta de sua personalidade exagerada e sua vaidade exacerbada, Wolfe tinha dificuldades em lidar com quase todo mundo, incluindo sua esposa, Aline Bernstein (Nicole Kidman), outros colegas de arte, como F. Scott Fitzgerald (Guy Pearce) e até mesmo com Louise (Laura Linney), esposa de Max.

O roteiro faz questão de enfatizar esses traços negativos de Wolfe, quase sempre enfatizando o contraste evidente com o jeito pacato de Max, única pessoa que consegue ter algum controle sobre o escritor. Alguns dos melhores momentos da projeção ocorrem quando os dois estão discutindo a formatação e conteúdo dos livros, o que cortar, o que manter e o que acreditar.

Um fator interessante da adaptação de Logan é a construção de Wolfe. Ele passa por todas as etapas possíveis entre um jovem talentoso, porém inseguro, até o mais orgulhoso de todos os autores, sem pestanejar ao perceber uma chance de humilhar qualquer um que ouse questionar a sua genialidade. Em contraponto, quando conhecemos Max, ele já é um homem maduro, bem sucedido, satisfeito com tudo aquilo que conquistou, mesmo que para isso precise, em alguns momentos, deixar a família em segundo plano.

Toda o design de produção trabalha em favor da história que está sendo contada. Como estamos presenciando um dos momentos mais problemáticos da economia americana, a fotografia, figurino e direção de arte estão em consonância com a pobreza e notória falta de esperança que permeia aquele contexto. Infelizmente, em seus planos mais abertos os efeitos visuais chamam mais atenção do que deviam, ao tentar estabelecer a arquitetura e ambientação de época de uma forma mais abrangente.

A fotografia aposta em tons frios e escuros, que combinam bem com tantos ambientes reclusos em que os personagens passam boa parte do tempo. Além disso, somos presenteados com planos e enquadramentos bastante inspirados, como aqueles na estação de trem ou aqueles que mostram populares pelas ruas, baseadas em fotografias históricas do período.

Os figurinos, nos ambientes urbanos, são todos em tons pesados, como preto, marrom e cinza escuros. Os únicos que destoam dessa constante são o das principais mulheres da trama. Enquanto Louise e as filhas de Max surgem quase sempre com tons leves (enquanto estão em casa), Aline Bernstein usa uma matiz mais próxima do vermelho, o que enfatiza bem sua personalidade forte e por vezes destrutiva. A direção de Grandage é bastante irregular, apesar de apresentar um resultado final satisfatório. Ao passo que extrai alguns momentos brilhantes de alguns atores, como os delírios de grandeza de Wolfe ou no excelente confronto entre ele e Max, deixa a desejar nos momentos mais dramáticos femininos. Nicole Kidman abusa de vários de seus maneirismos, como os sussurros ou os olhos arregalados. A demonstração de passagem de tempo também carece de um esmero maior, uma vez que para que se perceba quantos meses, ou anos se passaram, sempre é necessário que algum personagem fale claramente esse intervalo. Um ponto positivo é a ênfase no tratamento que os maridos dão às suas esposas, justificando algumas de suas atitudes. Dessa forma, o espectador (especialmente a porção mais machista do público) é demovida da ideia de que os rompantes de agressividade são injustificados. As personagens tem uma razão para suas atitudes.

Em seus aspectos sonoros o filme é só acerto. Alguns efeitos são destacados para ressaltar o que vemos em tela, como o som do lápis no papel, passos e papeis rasgados. Já a trilha sonora acrescenta uma certa profundidade dos protagonistas, pois retrata seu estado interior. Quando acompanhamos Wolfe, ouvimos primeiro um jazz suave, que vai paulatinamente passando para uma big band estrondosa até um tema singelo de cordas. Em contraponto, quando o filme se concentra em Max a trilha se torna tão suave que quase some em alguns momentos.

Por conta de sua irregularidade, também presente no ritmo da trama, “Mestre dos Gênios” se torna um filme com um imenso potencial desperdiçado ao não apresentar uma história à altura de personagens que, além de interessantes e bem construídos, tem grande importância histórica.

David Arrais
@davidarrais

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