Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Kubo e as Cordas Mágicas (2016): uma animação ‘fora da caixa’ e espetacular

Equilibrando com maestria aspectos técnicos que beiram à perfeição e uma história sensível, longa faz parecer não ser tão difícil assim agradar a crianças e adultos.

O que separa um grande filme de animação de outro apenas mediano e torna este um dos gêneros mais fascinantes do cinema é, além dos aspectos técnicos, a capacidade da obra em agradar com eficiência públicos absolutamente distintos: crianças e adultos. É preciso haver uma história atraente para a garotada, com personagens carismáticos e divertidos, mas sem perder a sutileza necessária para tornar a experiência interessante também para os mais crescidos. Esta é uma tarefa muito mais complexa do que pode parecer à primeira vista, necessitando de uma balança absolutamente equilibrada neste sentido, sem pender exageradamente para nenhum dos lados.

Assim, esse tipo de filme, confesso, é um dos mais difíceis de me cativar, muito embora alguns dos meus favoritos sejam justamente animações (Alô, “O Rei Leão” e trilogia “Toy Story”). Este “Kubo e as Cordas Mágicas”, no entanto, acaba mostrando-se uma grata surpresa ao apresentar uma história interessante, repleta de simbolismos e múltiplas camadas, mas sem esquecer do público infantil presente do lado de cá da tela, introduzindo um protagonista carismático e bons personagens secundários, ainda que, no decorrer da projeção, isso acabe se provando apenas um detalhe – mais sobre adiante.

Dirigido pelo estreante na função Travis Knight e escrito a seis mãos por Marc Haimes, Chris Butler (“Paranorman”, 2012) e Shannon Tindle, aqui acompanhamos a história do jovem Kubo, um menino que perdeu um dos olhos na infância e faz pequenas apresentações de origami na vila perto da rocha onde ele mora com sua mãe, outrora sua protetora e guardiã máxima, atualmente fraca e inabilitada. De repente, o garoto se vê obrigado a partir em uma jornada para encontrar a armadura mágica de seu pai, um lendário samurai, com o objetivo de derrotar espíritos malignos do passado e finalmente enfrentar de frente sua verdadeira origem.

Se passando no Japão antigo, a trama possui todo aquele charme oriental que certamente encantará os fãs da cultura nipônica. Diferente das animações que normalmente assistimos por aí, “Kubo” utiliza todo o seu lado espiritual e místico de modo mais conceitual do que em prol da história. Não importa, dessa forma, o porquê ou como determinada situação se desenrolou, mas sim o que há de mensagem por trás de tal acontecimento.

Sim, o background mítico daquele universo é explicado até didaticamente em dado momento da trama, mas o nexo da proposta não reside apenas nessa camada superficial, mas sim nas questões existenciais que vêm atreladas a ela. “Kubo e as Cordas Mágicas” é muito mais um filme sobre quem nós somos, a forma de encararmos o mundo e a sociedade à nossa volta, do que sobre um jovem enfrentando um vilão caricato. Aqui, tive a nítida sensação de que até a criançada presente na sessão à qual compareci pegou esse outro lado da moeda, mais admirando a beleza filosófica da coisa do que rindo de uma ou outra piada sem graça mal inserida pelo roteiro, que, nessas horas, parece não ter acreditado no potencial de parte de seu público.

Neste sentido, é admirável como os realizadores conseguiram equilibrar uma concepção estética que dialogue perfeitamente com a história que está sendo contada. Realizada a partir da incrivelmente aplicada técnica stop-motion, a fotografia de Frank Passingham alterna bem a paleta de cores de acordo com o momento da trama – de tons mais sombrios e dessaturados à saturação máxima e irradiante quando necessário. Além disso, fica claro que o protagonismo exercido pelo poder dos origamis carregados por Kubo também foi levado em consideração na hora de estabelecer os parâmetros visuais da obra. A opção por formas mais distorcidas e pontiagudas do que arredondadas, seja dos personagens ou dos objetos inanimados, como espadas, roupas e casas, chegam quase a lembrar o Expressionismo Alemão das primeiras décadas do século passado, refletindo não só os sentimentos internos dos envolvidos, como também causando estranheza e, ao mesmo tempo, fascínio, o que rima perfeitamente com uma história tão ‘fora da caixa’ como esta.

“Kubo e as Cordas Mágicas” faz parecer não ser tão difícil assim agradar a crianças e adultos. Pensando bem, talvez, de fato não seja – desde que haja a sensibilidade humana e artística presente na história e o esmero técnico que a envolve.

Arthur Grieser
@arthurgrieserl

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