Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 06 de setembro de 2016

Star Trek – Sem Fronteiras (2016): um presente para a franquia

Homenageando tudo o que fez de "Star Trek" perdurar por meio século, o novo filme da série é uma aventura ágil, divertida e bem escrita que deixaria Gene Roddenberry orgulhoso, prezando pelos valores otimistas e progressistas que norteiam a franquia desde 1966.

São raras as franquias que comemoram 50 anos de existência com um novo filme na telona. “Star Trek” ou “Jornada nas Estrelas” é a mais recente a ter essa honra, com este surpreendente “Star Trek – Sem Fronteiras”, décimo-terceiro longa da franquia é o terceiro desde o revival de 2009, comandado por J.J. Abrams, que aqui passa a batuta para Justin Lin (da série “Velozes e Furiosos”).

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Simon Pegg, o intérprete do engenheiro-chefe Scotty, assume o roteiro da aventura ao lado de Doug Jung, cujo último crédito como roteirista nos cinemas havia sido o interessante “Confidence – O Golpe Perfeito”, lá em 2003. Ironia das ironias, quando fazia a série “Spaced”, Pegg declarou em alto e bom som que era um fato que todos os filmes ímpares de “Star Trek” são e seriam bombas. Para felicidade geral dos trekkers, Pegg errou feio, entregando uma aventura digna do aniversário da série, com diversas referências (algumas deveras metalinguisticas) ao passado da franquia.

A simplicidade do plot remete ao clássico seriado dos anos 1960, com a tripulação da USS Enterprise, liderada pelo Capitão Kirk (Chris Pine) e seu primeiro-oficial Comandante Spock (Zachary Quinto), em meio à sua missão de exploração de cinco anos, sendo atacada de maneira brutal em meio ao que seria uma missão de resgate. Espalhados em um planeta estranho e sendo caçado por Krall (Idris Elba), um novo adversário que aparentemente tem uma antiga rixa com a Federação dos Planetas Unidos, Kirk e seus comandados contam com a ajuda da guerreira Jaylah (Sofia Boutella).

Por trás deste plot, temos ainda os conflitos internos de Kirk e Spock, motivados por seus passados dentro da nova continuidade estabelecida no longa de 2009. O roteiro de Pegg e Jung explora ainda melhor esses dilemas ao separar os dois amigos por boa parte do filme.

Chris Pine soube realmente aproveitar esse momento mais maduro do Capitão. Sem a presença de uma figura paterna (papel que o Almirante Pike supriu nos dois longas anteriores) e em missão no espaço há três anos, esse é um Jim Kirk mais maduro e bem mais próximo daquele interpretado por William Shatner, inclusive em seus dilemas pessoais, cogitando até mesmo um cargo burocrático na Frota Estelar.

O Krall de Idris Elba, cuja ferocidade e presença naturais se fazem notar mesmo sob pesada maquiagem, acaba funcionando como uma manifestação física dos medos e ansiedades de Kirk, sendo uma pena que eles só venham a realmente dividir a tela no terceiro ato, o que inclusive prejudica um pouco o arco do vilão.

Spock, por sua vez, lida com o fato de ser membro de uma espécie em extinção, algo acentuado pela notícia da morte de sua contraparte mais velha (uma bela homenagem a Leonard Nimoy), o que o leva a questionar seu relacionamento com Uhura e suas responsabilidades.

O vulcano faz uma ótima dupla com o Dr. McCoy (Karl Urban), vulgo Magro, com os pontos de vista antagônicos dos dois gerando alguns dos melhores momentos da projeção, muito por conta do ótimo timing cômico de Urban. McCoy aqui age um pouco como terapeuta e confidente de Kirk e Spock, sendo o apoio – por vezes nada gentil – que mantém seus amigos “aterrados” em face de seus problemas pessoais.

O Scotty de Pegg finalmente ganha um interlocutor na figura de Jeylah, com ele e Sofia Boutella exibindo uma boa química. Boutella, aliás, tem uma ótima cena de luta na qual reafirma seu talento para esse tipo de sequência, já exibido em “Kingsman – Serviço Secreto”. Durante o segundo ato da projeção, Uhura e Sulu (John Cho) basicamente servem como interlocutores do vilão Krall. Saldana tem um papel mais discreto aqui (o que ao menos evita cenas como a constrangedora DR entre ela e Spock em “Além da Escuridão – Star Trek”). A participação de Uhura é mais pontual, mas Saldana se mostra firme no papel.

O mesmo pode se dizer de John Cho, cujo Sulu novamente assume temporariamente o comando da Enterprise, já dando a entender que podemos vê-lo no comando de sua própria nave em breve. Aliás, Cho protagoniza um momento inexplicavelmente polêmico, com a revelação da homossexualidade de seu personagem, em uma cena simples e de bom gosto, que renova o espírito progressista da franquia (aliás, o corroteirista Doug Jung interpreta o marido de Sulu).

Justin Lin e seu colaborador de longa data, o diretor de fotografia Stephen F. Windon, deixam de lado os flares de J.J. Abrams e investem em um visual menos “fantástico” para o filme, embora não abrace totalmente o realismo, chegando a remeter algumas vezes à série “Battlestar Galactica”. As cenas de ação são deveras competentes e o ataca das forças de Krall à Enterprise é acertadamente tenso.

Embora alguns possam reclamar da falta de um plot mais poderoso, “Star Trek – Sem Fronteiras” acerta em se focar naquilo que fez com a franquia chegasse aos seus 50 anos: seus personagens. Vida longa e próspera.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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