Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 01 de agosto de 2016

O Bom Gigante Amigo (2016): fábula agradável, apesar de alguns exageros

Como narrativa, o filme tem altos e baixos. Contudo, é visualmente encantador e constitui uma fábula agradável, apesar de exagerar na trilha sonora, na duração e na doçura.

Era uma vez um grande estúdio que contratou um dos maiores diretores da história para filmar um célebre livro infantil. O diretor conta com o auxílio de dois de seus parceiros de sucesso. Sendo essa história real (o estúdio, Disney; o diretor, Steven Spielberg; o livro, “O Bom Gigante Amigo”, de Roald Dahl; os parceiros, o compositor John Williams e o ator Mark Rylance), não poderia dar errado.

Trata-se do conto sobre a amizade entre a órfã Sophie e o bondoso gigante “BFG” (Big and Friendly Giant, ou BGA no português), que, ao contrário dos seus semelhantes, alimenta-se de frutas e legumes, não de humanos. Os dois se unem para viver várias aventuras – a principal delas, enfrentar gigantes malvados que perturbam BFG.

O enredo é bastante edulcorado: não existe um antagonismo cruel, nem arcos dramáticos complexos. Há um claro exagero na doçura. Nesse sentido, embora Spielberg seja constantemente associado a narrativas doces e piegas, a excelência do seu trabalho é inegável. Em “O Bom Gigante Amigo”, ele não apresenta a sua melhor obra, mas um belo exemplar de feel good movie.

O visual elaborado por Spielberg é sensacional, contando com apenas seis cenários. Três deles são fechados (orfanato, casa de BFG e aposentos reais), os demais são abertos (Londres, Terra de Gigantes e Palácio de Buckingham). Apenas um deles (Terra de Gigantes) depende de chroma key, envolvendo sequências em que cada frame é encantador. O esplendor visual na cena do lago e o trabalho de cores com os sonhos são exemplos fantásticos – o paralelo óbvio com “Avatar” deixa clara a influência de James Cameron. Enquanto o 3D é dispensável (intenso apenas na ação final e na câmera subjetiva da cena em que Sophie é capturada por BFG), a fotografia é sempre precisa: a Londres da década de 1980 é soturna para indicar a tristeza de Sophie, e a noite dá lugar ao dia no terceiro ato porque o astral da garota já é outro, contaminado pela magia das aventuras. Como qualquer fábula boa, se inicia com narração voice over, no caso, homodiegética (narrador-personagem). Há um humor questionável (as piadas com flatulências são dispensáveis), porém, a fantasia é deveras eficaz no que se refere ao visual. Quanto à sonoridade, a edição de som é pobre, sem esmero para os sons diegéticos (em especial dos gigantes), e a mixagem de som é prejudicada por um abuso da trilha sonora do premiado John Williams (que é bela e compatível, mas incessante). Isto é, há muita música para poucos ruídos (sound effects).

O público-alvo do livro é o infantil, e o mesmo se daria, em tese, com o filme. Estão lá metáforas edificantes que comportam interpretações diversas, tais como (a) mesmo o que é ruim pode ser usado para boas finalidades (a destinação dos pesadelos) e (b) a vítima de bullying não deve se deixar abalar (orientação de Sophie a BFG). Entretanto, o longa é prolixo e um pouco cansativo, exigindo paciência e atenção do espectador infante. Também dificulta a compreensão deste público a fala dos gigantes, repleta de erros de linguagem.

Os dois clímax que a película apresenta e a bagunça do terceiro ato quase passam despercebidos diante de tanto carisma da dupla principal. Sophie (Ruby Barnhill, formidável) é uma menina sagaz e de personalidade forte (que outra criança repreenderia adultos ébrios por fazerem barulho à noite?) que, por outro lado, não perde a ingenuidade típica infantil. O trocadilho com o nome enaltece a sabedoria da menina. BFG é interpretado por Mark Rylance (vencedor do Oscar como coadjuvante por “Ponte dos Espiões”, também dirigido por Spielberg), construído em pós-produção por motion capture. Rylance é novamente estupendo, atentando para detalhes como linguagem corporal (andar encurvado, pisada para dentro e olhar baixo para indicar sua introspecção) e dicção (a linguagem dos gigantes).

“O Bom Gigante Amigo” possivelmente encontrará dificuldade em identificar seu público específico. O desastroso terceiro ato, o ritmo inconstante e a duração exagerada prejudicam o longa, que tem no visual seu melhor atributo. Não obstante, se figurar em premiações diversas (em especial nas categorias de efeitos visuais, trilha sonora e roteiro adaptado), não será surpresa.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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