Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 19 de julho de 2016

Caça-Fantasmas (2016): atendendo ao chamado, com ou sem polêmica!

Colocando de lado a controvérsia envolvendo o grupo feminino, o fato é que esse reboot do clássico oitentista é sim digno do original!

Durante mais de duas décadas, os fãs de “Os Caça-Fantasmas” ficaram esperando por um terceiro filme da franquia, especialmente porque o segundo não foi lá esse sucesso todo. Quando este reboot foi anunciado, alguns se revoltaram com o fato de que o novo time seria composto apenas por mulheres e que não faria jus ao quarteto original e que seria uma traição, histeria em massa, cães e gatos vivendo juntos, etc… Mesmo eu tinha um comichão prévio com a empreitada do diretor Paul Feig, tendo em vista que o roteiro escrito por ele e Katie Dippold ignoraria os eventos do filme original – ó, a heresia!

Mas aí lembrei que Dan Aykroyd e Harold Ramis já haviam feito isso com “Os Caça-Fantasmas 2”, quando resolveram refazer o primeiro filme com, aparentemente, toda a população de Nova York esquecendo de que fantasmas existiam dentro daquela narrativa, forçando os personagens a passarem pelos mesmíssimos arcos do primeiro longa, só que sem o elemento surpresa – afinal, já sabíamos como os atores reagiriam a cada cena.

Assim como no original, este “Caça-Fantasmas” mostra Nova York sendo assolada por criaturas sobrenaturais e um grupo eclético e desacreditado de cientistas (e um quarto membro que cai meio de paraquedas) tentando salvar a cidade.

É exatamente o mesmo plot. E se a equipe fosse formada por Peter Venkman, Ray Stantz, Egon Spangler e Winston Zeddemore, os atores que fossem viver esses personagens seriam pressionados a fazerem o que Bill Murray, Dan Aykroyd, Harold Ramis e Ernie Hudson fizeram.

Em filmes de ação, isso não seria um grande problema, mas, em seu cerne, essa é uma franquia de comédia e a mesma piada contada duas vezes do mesmo jeito – principalmente por um cômico tentando emular outro – simplesmente não teria graça. Seria mais ou menos como ver seu primo nerd referenciando o filme durante a festa de Natal da família.

Entram então Erin Gilbert (Kristen Wiig), Abby Yates (Melissa McCarthy), Jillian Holtzmann (Kate McKinnon) e Patty Tolan (Leslie Jones), as novas donas da chave do Ecto-I, dotadas de personalidades únicas dentro da franquia e criando situações próprias. Os laços das atrizes com a série humorística americana “Saturday Night Live” as conectam com (a maioria) do elenco clássico, mas essa é a única ligação entre eles. As quatro são extremamente engraçadas e sabem dominar a tela e transformar aquela premissa supracitada em algo delas e que reflete não só os seus sensos de humor peculiares mas também os dias de hoje – do mesmo modo que o original brincava com os EUA oitentista através de sua ótica particular.

Kristen Wiig e uma (relativamente) contida Melissa McCarthy funcionam como o coração do grupo e a amizade entre Erin e Abby é o motor da trama – como as duas são as mais conhecidas do quarteto, isso é natural. São a parte mais “séria” (reforce bem essas aspas) do time, mas não se limitam a “escadas” e isso é que é interessante no entrosamento do quarteto, cada uma serve como escada da outra em dados momentos.

Kate McKinnon e Leslie Jones atuam de maneira bem mais livre. McKinnon rouba qualquer cena em que aparece (mesmo nas tomadas em que não dá uma palavra), transformando a engenheira na figura mais imprevisível (leia-se, insana) e hilária da produção. Leslie Jones destoa (no bom sentido) das amigas ao trazer uma visão mais “povão” ao grupo. Sim, é a mesma “função” que Ernie Hudson tinha, mas a persona revoltada e contestadora de Jones atualiza e dá mais relevância a esse papel em ótimas gags, com o filme inclusive reconhecendo a proximidade entre Patty e Winston de maneira bem metalinguistica.

Quem surpreende é Chris Hemsworth, como o secretário burro/objeto de desejo do filme. O galã australiano mostra um timing cômico e um talento para comédia física soberbos, tendo uma divertida dinâmica com Kristen Wiig, que o “seca” o filme todo, subvertendo o clichê geralmente masculino do chefe com uma secretária gostosa e sem noção. Andy Garcia tem uma efetiva quase ponta como o prefeito, ao lado da também egressa do “SNL”, Cecily Strong.

O elo fraco do elenco certamente está em Neil Casey, que interpreta o vilão da história, Rowan. No original, o “chefão final” era perigoso e imponente, enquanto os fantasmas pouco representavam ameaça. Neste reboot ocorre o inverso, com o design dos espectros e as situações criadas por eles trazendo perigo real à narrativa (com exceção de uma bizarra Sra. Geleia), enquanto o antagonista criado por Casey não passa de uma figura patética.

Por falar nas cenas de ação, Feig faz um bom trabalho com o estilo de luta dessas Caça-Fantasmas, saindo do básico das mochilas protônicas e apresentando, através de Holtzmann, novas gadgets e novos meios de chutar traseiros fantasmagóricos. A fotografia é ótima e Feig faz uma coisa interessante que é brincar com a razão de aspecto da produção para ressaltar os elementos 3D, além de destacar bem o “verde-Geleia” na paleta de cores.

O clímax tem alguns momentos tensos, embora acabe acrescentando um momento final desnecessário após a resolução do conflito principal. Aliás, a montagem é o grande calcanhar de Aquiles da fita, gerando uma experiência deveras truncada em diversos momentos do primeiro e terceiro atos (a terrível “síndrome da versão estendida em home-vídeo”, já anunciada, aliás, com 15 minutos a mais).

Feig e Dippold podem ter ignorado a cronologia original, mas não esqueceram do legado, que está lá representado não apenas em participações especiais de praticamente todo o elenco clássico (mesmo o falecido Harold Ramis, de uma forma bem respeitosa), mas também em elementos da própria narrativa, como a música-tema (entoada em três versões diferentes – a transformada em single é a pior delas), locações, alguns pedaços de diálogos e até mesmo no penteado de Holtzmann, que remete ao de Egon na série animada.

No final, o importante não era tanto preservar o legado dentro da narrativa, mas sim aquele deixado neste mundo pelo longa de 1983, por seus atores e realizadores. E essas meninas aceitaram o chamado com sucesso.

PS: Fique até o final dos créditos, pois existem cenas engraçadas e importantes, que deixam brechas para uma possível continuação.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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