Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 24 de maio de 2016

Pais e Filhas (2015): um longa pouco eficaz que vale apenas pelo elenco

À primeira vista, parece um “filme água-com-açúcar”. Atentamente, trata-se de uma obra com simbologias frágeis (quando não retrógradas), pieguice e o intento escancarado de comover a qualquer custo. De positivo tem apenas um bom elenco.

pais-e-filhas-posterO objetivo do diretor italiano Gabriele Muccino costuma ser arrancar lágrimas do espectador. Primeiro com “À Procura da Felicidade” (2006), depois com “Sete Vidas” (2008), e agora com “Pais e Filhas”, demonstrando um inegável declínio na carreira. Desta vez, o elenco de peso não foi freio da queda.

O roteiro conta com duas narrativas paralelas, com linhas temporais distintas. A primeira, do final da década de 1980, tem como protagonista Jake Davis (Russell Crowe), um renomado escritor cujo conflito principal é uma doença psiquiátrica adquirida após um acidente de carro fatal para a sua esposa. Em razão da patologia, ele deixa a filha Katie (Kylie Rogers) aos cuidados da tia Elizabeth (Diane Kruger) e seu marido William (Bruce Greenwood) enquanto se interna em um hospital. Quando retorna, a cunhada está decidida a ficar com a guarda de Katie. Na segunda linha temporal, contemporânea, Katie Davis (Amanda Seyfried) já é adulta, tendo uma vida profissional conduzida com dedicação como assistente social, mas uma vida afetiva complexada que a torna praticamente uma ninfomaníaca. Um plot, como se vê, dramático e de sentimentalismo barato. Compatível com Muccino.

Coube a Russell Crowe conduzir o protagonista Jake, dividindo as preocupações entre a doença, o cuidado da filha, a iminente disputa (pela filha) com os parentes e um orçamento apertado. Ele é um bom ator e cumpre bem a tarefa, mas, para quem o viu em “Uma Mente Brilhante” (2001), este trabalho não tem aquela notoriedade. Aliás, a infante Kylie Rogers rouba a cena. Ela interpretou Katie como criança, enquanto Amanda Seyfried a viveu como adulta, protagonista da segunda narrativa. A personagem ganha complexidade, todavia, flerta com o clichê quando aparece o arquétipo de príncipe (Cameron, interpretado pelo costumeiramente inexpressivo Aaron Paul). As falhas na sua construção não podem ser imputadas à competente atriz.

As falhas maiores estão no roteiro e na direção. São elaboradas duas linhas temporais bem delineadas, tendo um acidente de carro como grande engrenagem narrativa, ainda que estranhamente oblíqua (como pode a ausência da mãe demorar tanto para afetar uma filha?). O enredo de Jake é claramente maniqueísta, pois os tios de Katie constituem o paradigma de vilania. Com frases como “Tenho mais dinheiro que Deus”, a simbologia discreta da crítica à ferocidade do capitalismo (em um monólogo de Jake) fica bastante ofuscada. Ademais, não são poucas as lacunas parciais (por exemplo: como Katie se relaciona com os parentes?) que o quarteto de bons coadjuvantes (Rogers, Kruger, Greenwood e Jane Fonda – esta como amiga e agente do escritor) não eclipsa.

A narrativa de Katie é pior: Katie se divide entre uma vida profissional séria (é uma assistente social dedicada) e uma vida pessoal conturbada em razão do sexo desenfreado (em qualquer lugar, com qualquer parceiro) como válvula de escape dos seus problemas. Trata-se de uma mensagem lamentável com viés machista que se torna ainda mais explícita quando sua tia diz que, diversamente dos homens, as mulheres não podem sobreviver sem amor. O contexto dá a entender que ela é a errada, como se os homens com quem ela tem relações sexuais estivessem em situação de superioridade. A subtrama de Katie com Lucy (a “Indomável Sonhadora” Quvenzhané Wallis), mesmo quando se desenvolve, não agrega ao parecer uma mera ponta solta para tornar o longa mais pluritemático.

Com cenas artificiais e comoventes apenas para os que se deixam levar (como a da separação entre Jake e Katie), Muccino cria um longa anódino. Uma simbologia interessante aqui – como a associação subliminar do álcool a eventos negativos (é fácil perceber como qualquer personagem se embriagando indica um porvir negativo) –, outra referência chamativa acolá (como a cena de sexo no carro, referindo-se ao clássico “Titanic”), mas o geral é um turbilhão de cenas piegas (como a primeira embalada a “Close to you”, dos Carpenters). Se vale ser visto? Talvez, pelo elenco.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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