Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 02 de maio de 2016

Capitão América – Guerra Civil (2016): a dor do amadurecimento de um universo

Neste que não apenas é o terceiro filme do Capitão América, mas também o décimo terceiro capitulo de uma saga, a Marvel entrega aquele que será o novo paradigma para suas futuras empreitadas.

civilwar-posterQuem diria que os irmãos Anthony e Joe Russo, antes mais conhecidos por seus trabalhos nas ótimas sitcoms “Arrested Development“, “Happy Endings” e especialmente “Community” iriam entregar não apenas dois dos melhores filmes da Marvel Studios, mas um blockbuster que redefiniu o subgênero fílmico dos super-heróis? Após o ótimo “Capitão America 2 – O Soldado Invernal“, a dupla chega com o arrasador terceiro filme do Sentinela da Liberdade, “Capitão América – Guerra Civil“.

Um aviso ao público: ao mesmo tempo que o longa continua temas e arcos desenvolvidos ao longo da trilogia, ele também é o 13o. filme do Universo Cinematográfico Marvel e elementos de basicamente todas as fitas anteriores são usados ou citados aqui. Nisso, o roteiro de Christopher Markus e Stephen McFeely acertadamente não perde tempo reapresentando personagens conhecidos, deduzindo que o público já conhece os heróis envolvidos e suas aventuras pretéritas.

Na trama, após um desenrolar trágico durante uma missão dos Vingadores na Nigéria, os governos do mundo, através do Secretário de Estado dos EUA Ross (William Hurt, retornando ao papel que viveu em “O Incrível Hulk”), conclamam através de uma lei que os Vingadores deixem de ser uma entidade autônoma e passem a responder a um painel das Nações Unidas.

Tony Stark (Robert Downey Jr.), o Homem de Ferro, aceita tal medida, especialmente motivado pela sua culpa em incidentes como a destruição de Sokovia, vista em “Vingadores – Era de Ultron”. Já Steve Rogers (Chris Evans), o Capitão América, por conta de sua experiência ao trabalhar subordinado ao governo, rejeita a lei. Com seus pilares divididos, os demais Vingadores escolhem seus lados e um conflito catastrófico se torna iminente. A situação chega a um ponto crítico quando Bucky Barnes (Sebastian Stan), o Soldado Invernal e ex-parceiro do Capitão América, é acusado de um ato de terrorismo.

Por mais que a ação ocorra em diversos países e em grande escala e que o filme conte com mais de 15 personagens de grande importância, o enredo jamais perde de vista o lado pessoal da história, que, no fundo, é um trágico conflito de irmãos. Steve e Tony são, direta ou indiretamente, filhos de Howard Stark (John Slattery), e a dor de Tony ao lembrar do desdém com o qual se despediu dos pais e do modo carinhoso como qual Howard falava de Steve é clara. Por sua vez, Steve sente ser sua obrigação proteger seu irmão de guerra e único elo com sua antiga vida, Bucky, cujo passado de abuso o levou a ser caçado pelo grupo do Homem de Ferro.

Neste sentido, é impossível não elogiar o trabalho de Chris Evans e Robert Downey Jr., ambos veteranos na franquia (Evans em seu quinto filme, Downey no sétimo), era de se esperar que já estivessem em piloto automático, mas os dois abraçam seus personagens com afinco e entregam seus melhores desempenhos em seus respectivos papéis até o momento.

Enquanto Evans evoca a solidão e o peso nos ombros de Steve (há um belo e rápido plano plongé que encapsula exatamente esses sentimentos) e nos mostra um homem guiado apenas pelos seus princípios e preso entre lealdades conflitantes, Downey aproveita a oportunidade para realmente explorar seu Tony Stark, mesmo em seus momentos mais sombrios, inclusive em um ótimo “flashback” que mostra o empresário em sua adolescência.

Apesar da trama gravitar em torno dos líderes dos Vingadores, os demais personagens são sim relevantes e possuem seus próprios pequenos arcos dentro da narrativa. Especialmente no caso do estreante T’Challa de Chadwick Boseman, com o seu Pantera Negra não apenas sendo parte importantíssima da história, mas tendo uma jornada que serve como um espelho para a dos protagonistas e Boseman impressionando em sua estréia no Universo Marvel, defendendo seu personagem com a altivez esperada para o Rei Guerreiro de Wakanda.

Mesmo com pouco tempo de tela, Elizabeth Olsen e Paul Bettany trazem uma complexidade bem-vinda para a Feiticeira Escarlate e Visão. Scarlett Johansson impressiona com sua pragmática Viúva Negra e há um terno momento entre ela e Steve que mostra a impressionante química da atriz com Chris Evans. Anthony Mackie empresta seu carisma para o Falcão, o divertido Homem-Formiga de Paul Rudd tem um dos melhores momentos do longa e Jeremy Renner justifica sua presença no filme em um tenso e eficaz diálogo entre o Gavião Arqueiro e Tony Stark.

Sobre a presença do Homem-Aranha e sua chegada espetacular ao Universo Cinematográfico Marvel, basta dizer que Tom Holland tem tudo para fazer de seu Peter Parker – mostrado,sim como um jovem e responsável gênio e também como um herói falastrão – a melhor versão para o cinema do herói e que ele divide ótimos momentos com os dois protagonistas. Interessante notar que uma frase icônica que o Capitão América soltou para o Teioso durante a Guerra Civil nos quadrinhos (especificamente em na edição 537 de “Amazing Spider-Man”) é dita para Steve Rogers em um momento-chave da projeção.

Evito falar do Zemo de Daniel Brühl, mas digo que o ator alemão não interpreta um vilão tradicional e que se trata do melhor antagonista em um filme da Marvel Studios desde Tom Hiddleston e seu Loki e que a motivação para os seus atos é sim bastante clara.

As setpieces do filme são impressionantes e, ao contrário do que acontece em certos blockbusters recentes, não são apenas som e fúria sem significado. Como as batalhas possuem razões de ser dentro da trama, há um investimento emocional por parte do público, não reduzindo esses momentos a meros espetáculos de destruição em massa. Muito pelo contrário, aliás, tendo em vista que o filme crítica a própria destruição que ocorreu nos capítulos anteriores.

Mesmo assim, ressalte-se a competência das seqüências de ação, especialmente da luta nas escadas (que remeteu ao clímax de “A Identidade Bourne”, em vários sentidos), a perseguição no túnel e, especialmente, a grande batalha filmada em IMAX na qual os dois times de Vingadores se enfrentam. Palmas para os diretores e a equipe envolvida, especialmente o diretor de fotografia Trent Opaloch (que veio com uma paleta de cores mais fria, mas sem tirar a vida dos uniformes dos heróis), dublês e coreógrafos.

Os irmãos Russo entregaram algo que certas adaptações de HQ apenas ambicionaram em fazer, com um filme que alterna tensão, humor e drama de maneira orgânica, deixando os espectadores na ponta da cadeira. “Capitão América – Guerra Civil” tem suas imperfeições, especialmente em alguns efeitos não tão bem renderizados, uma trilha sonora longe de memorável e um epílogo que tira um pouco da força da cena que lhe precede. Mesmo com essas falhas, certamente este é o melhor é mais maduro trabalho da Marvel Studios até aqui. Recomendado.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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