Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 20 de abril de 2016

Decisão de Risco (2015): um olhar interessante sobre a guerra ao terror

Vários pontos de vista de uma operação antiterrorismo mostra tudo que envolve uma operação militar, inclusive a dificuldade e as consequências de cada decisão.

Depois dos atentados terroristas que marcaram a primeira década deste século, os países mais visados por extremistas religiosos, liderados pelos Estados Unidos, iniciaram a guerra ao terror. Essa guerra consiste no uso de todas as técnicas de espionagem possíveis, desde agentes infiltrados nas frentes inimigas até o uso das mais avançadas tecnologias de vigilância. Porém, além de lidar com possíveis ataques, é necessário a esses governos cuidados com a opinião pública, de modo que sigam contando com o apoio popular. Com todos esses aspectos misturados, o diretor Gavin Hood traz às telas o bom “Decisão de Risco”, com roteiro de Guy Hibbert.

O filme conta a história de uma ação liderada pela Coronel Katherine Powell (Helen Mirren), que investiga a participação de cidadãos americanos e britânicos em uma célula terrorista em Nairóbi, no Quênia. Com o auxílio de Jama Farah (Barkhad Abdi, de “Capitão Phillips”), um agente de campo queniano, e dos pilotos de drones da Força Aérea Americana Steve (Aaron Paul) e Carrie (Phoebe Fox), ela descobre uma célula do grupo extremista islâmico Al Shabaab na periferia de Nairóbi. Porém, por se tratar de uma densa área residencial, ela precisa da autorização de altas patentes do Exército, bem como de outras autoridades acima de seu cargo, como o ministro de relações exteriores da Inglaterra, e até mesmo do Primeiro Ministro.

O texto de Hibbert é hábil ao construir todas as camadas de autoridade em volta daquela operação. Apesar de parecer, à primeira vista, uma operação pequena e simples, ainda se trata de uma ação para tirar vidas humanas (uma das discussões mais acaloradas na sala do governo é se aquela operação não poderia ser de captura e não de execução). E mais importante (naquele cenário), de uma cidadãos britânicos e americanos. Todos os entraves possíveis são tratados, desde a preocupação com possíveis problemas de aceitação com a comunidade internacional até o risco de vazamento de vídeos da operação para a imprensa, devido à possíveis vítimas inocentes envolvidas. Ele também introduz elementos tecnológicos (como o mini-drone em forma de inseto e operado por um controle de videogame) com naturalidade, demonstrando como aquilo tudo é familiar para todos os personagens envolvidos com aquilo. É uma pena que o escritor exagere em algumas características, como a forma caricata que constrói tanto o ministro de relações exteriores dos Estados Unidos quanto seu colega britânico, sempre colocando-os em situações ridículas, numa tentativa inadequada de inserir um alívio cômico.

O elenco tem um desempenho correto, à altura do que o filme necessita. Aaron Paul consegue se distanciar de seu personagem mais famoso, o Jesse Pinkman de “Breaking Bad”. Apesar de ser um papel menor, ele confere dramaticidade e profundidade, ao ser o ponto de vista do espectador comum dentro do esforço militar. Phoebe Fox faz o que pode com tão poucas falas, e sempre como o ponto de vista sentimental. O saudoso Alan Rickman (em seu último trabalho) é o elo entre o instinto militar de Powell e a burocracia do governo, e cumpre sua função com louvor. Assim como ocorre com sua personagem, é sobre Helen Mirren que recai a maior responsabilidade. Ela é uma protagonista forte, que precisa tomar decisões polêmicas, com poderosos argumentos a favor e contra cada uma de suas decisões. Esse conflito é retratado com perfeição, graças ao talento da veterana atriz. Em determinado momento é curioso perceber um relance de tristeza por não poder tomar a atitude que precisa para realizar a sua missão, para em poucos segundos ver essa tristeza dar lugar novamente à sua austeridade e retidão.

Gavin Hood conduz a trama com um ritmo e desenvoltura tão eficientes que nem parece ser o mesmo diretor do desastroso “X-Men Origens – Wolverine”. Ele possui um total domínio sobre a geografia das cenas, de modo que o espectador saiba exatamente onde cada ação ocorre. Ele ainda tem uma pequena participação como o comandante do lado americano da operação.

Em uma época em que todos são grandes autoridades sobre qualquer assunto, inclusive combate ao terrorismo e política internacional, é interessante ver uma história que aborda diversos lados envolvidos, inclusive a dificuldade e as consequências de cada decisão.

David Arrais
@davidarrais

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