Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 04 de abril de 2016

Conspiração e Poder (2015): Cate Blanchett é a dona do filme

A direção fria não atinge a contundência almejada, tampouco a dramaticidade potencial do roteiro. Cate Blanchett, em mais um ótimo trabalho, eleva a qualidade do longa.

conspiracao-e-poder-posterO título original é genérico: “Truth”. O brasileiro, idem: “Conspiração e Poder”. Contudo, o filme nada tem de genérico, pois faz um recorte fático e espaço-temporal bastante específico.

O filme se baseia em fatos reais referentes à investigação perpetrada por um grupo de jornalistas da CBS que teve por objeto o histórico militar de George W. Bush, que, à época (2004), era candidato à reeleição presidencial. Havendo indícios de fraude, eles decidiram averiguar o quanto do pretérito divulgado era real e se de fato haveria alguma falsificação. Ou seja, é um filme sobre jornalismo, política e suas influências recíprocas.

O primeiro problema surge no argumento: ao tratar da política estadunidense, a narrativa é muito mais interessante para aquele público, não tendo a universalidade que a sétima arte costuma ter. Não que o recorte espante públicos externos, mas é inegável que não há o interesse global costumeiro.

A montagem cometeu um equívoco ao inserir uma cena inicial temporalmente deslocada, vez que seguida por um enorme flashback que, na prática, é quase o filme todo. Isso torna a cena quase incompreensível e demasiadamente distante do resto. Alguns filmes até fazem isso, mas para plots mais simples, pois acaba tornando o que já é complexo ainda mais complexo. Por outro lado, a montagem dinâmica nas cenas de investigação mostra coerência em relação à proposta.

A direção de James Vanderbilt não é orgânica, retirando a dramaticidade potencial do roteiro. Há um retrato fidedigno do trabalho jornalístico – em especial na pouca profundidade de campo das cenas de entrevista, dando maior realismo –, mas não é uma amostra visceral como a vista em “Spotlight”, por exemplo. Ao investir mais na faceta jornalística do roteiro, reduz sua dramaticidade, porém, mesmo investindo na seara, não há aquela contundência. As cenas de inquirição da protagonista, por exemplo, poderiam ter uma tensão mais palpável, mas chegam quase à artificialidade.

Ironicamente, se a direção não é incisiva, o roteiro certamente o é. Raramente uma narrativa repleta de reviravoltas consegue atingir a verossimilhança presente em “Conspiração e Poder”. Entretanto, é na construção das personagens que o plot tem maior densidade. Em visão horizontal, percebe-se que não existem personagens estereotipados – no máximo, o arquétipo da líder e do ídolo. A cena em que duas personagens viram celebridades representa uma mudança de paradigma: jornalistas que estão acostumados a acompanhar fatos passam a fazer parte de fatos a serem acompanhados.

Também no olhar vertical há riqueza na construção das personagens. Cate Blanchett interpreta com o brilhantismo já habitual Mary Mapes, que comanda a investigação – por via de consequência, é ela a rotulada como a principal mitômana do grupo. Blanchett é uma das maiores atrizes em atividade, sendo difícil recordar um trabalho ruim de sua parte (filme sim, trabalho individual, não). Ela é a dona do filme, conseguindo equilibrar as várias facetas da personagem: seu lado maternal ao interagir com o filho, embora o jornalismo esteja claramente impregnado na família; seu lado profissional, que domina majoritariamente suas emoções a depender do rumo tomado; e seu lado vulnerável, que tem como frentes o passado traumático (que retorna para atormentá-la) e a relação com Dan. Mary não é unidimensional, materializando o que o longa tem de melhor em termos artísticos (embora a dimensão de esposa seja mal explorada). Simbolicamente, ela abandona o costume de desligar a televisão no meio da matéria, o que representa ganho de coragem.

Robert Redford vive Dan Rather, histórico âncora da CBS que nutre por Mary um carinho paternal – chega a encaminhar a ela um e-mail para que ela se alimente. O trabalho é medíocre, boa parte em razão do brilho de Blanchett. É por isso também que Dennis Quaid, Bruce Greenwood, Stacy Keach e Topher Grace são coadjuvantes ainda mais apagados (o último aparece bem apenas em um monólogo). A personagem de Keach é fundamental como engrenagem na narrativa, mas o ator não tem espaço para desenvolver.

Em síntese, “Conspiração e Poder” peca por exagerar na frieza impressa na direção, embora o roteiro tivesse potencial para um drama razoável. Não obstante, a participação de Blanchett já é motivo suficiente para assistir ao filme.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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