Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 04 de março de 2016

A Bruxa (2016): soturno e incomodo

Livrando-se dos clichês do gênero, a nova joia do terror moderno aposta numa atmosfera mórbida e trabalha com temas espinhosos, deixando o público angustiado durante a sessão.

346769.jpg-r_640_600-b_1_D6D6D6-f_jpg-q_x-xxyxxNão se pode dizer que o gênero do terror vive hoje um de seus melhores momentos, mas é bem verdade que nos últimos anos tivemos um aumento significativo em relação à qualidade dos títulos lançados, ou seja, estamos colhendo uma boa safra. Fenômenos como “Sobrenatural” (2011), “O Segredo da Cabana” (2012), “Invocação do Mal” (2013), “O Babadook” (2014) e “Corrente do Mal” (2015) são bons exemplos anuais. Mais ainda por cada um destes trazerem variados temas e possuírem abordagens cinematograficamente particulares e interessantes.

Não diferente, o já tão falado “A Bruxa” mantém essa sequência e eleva o nível do jogo. Este que é escrito e dirigido pelo estreante em longas-metragens Robert Eggers, que demonstra total esmero em cada frame de seu primeiro trabalho. Com fortes veias autorais, o filme possui um lado estético arrebatador, onde os belos planos que detém nunca são usados em vão, em vez disso possuem claras funções narrativas. Não é à toa que durante toda exibição sinta-se uma atmosfera soturna e incomoda, aliás, muito do que é mostrado leva o espectador a se indagar sobre o caso.

Um dos maiores méritos do filme é se desprender quase que totalmente das artimanhas e truques baratos tão repetidos dentro do gênero atualmente. Não existe histeria, sustos fáceis ou impactos sonoros usados como muletas. Diferentemente, tudo aqui é destacado de forma bastante sutil, seguindo a ideia do mais sugerido do que simplesmente mostrado, estratégia usada em clássicos que moldaram a vertente como “O Bebê de Rosemary” (1968). A plástica fotografia de Jarin Blaschke transmite com perfeição a natureza gélida e obscura residente ali. Bem como a estranha trilha sonora de Mark Korven causa arrepios.

Talvez a escolha por uma narrativa lenta e um desenvolvimento delongado, exigindo em alguns andamentos mais tempo de tela, faça parte do público achar o filme um tanto prolixo ou parado. No entanto esta linguagem mostra-se precisa para justamente causar a inquietação da plateia e aumentar o suspense pelos acontecidos. A trama, mesmo simplória, é bem atrativa e trabalha com arquétipos delicados, como a força sobre e das crenças, a inocência das crianças e a desconfiança entre o seio familiar.

A história se passa em meados de 1630, na Nova Inglaterra, onde vemos um casal que leva uma vida cristã com seus cinco filhos em uma comunidade extremamente religiosa, até serem condenados ao exilio por sua fé ir de encontro com as leis das autoridades locais. Vivendo num pequeno sítio, próximo à uma floresta bastante densa, William e Katherine criam as crianças com certa escassez de comida e material, mas aparentemente vivem bem entre si. Isto até o dia que o filho mais novo desaparece, causando pânico geral e a desestruturação familiar, fazendo com que cada um enfrente de forma literal e metafórica seus medos internos.

Para isso, a atuação da jovem Anya Taylor-Joy é espantosa e transmite uma veracidade fundamental para que tudo funcione. Assim como o garoto Harvey Scrimshaw oferece uma performance brutal e faz talvez a cena mais angustiante da película. Os experientes Ralph Ineson e Kate Dickie encabeçam a produção e provam que o elenco é de alto nível.

À medida que a trama vai caminhando se observa contornos completamente diferentes e inesperados. É fácil se perguntar se tudo aquilo não passa do distúrbio que envolve um personagem ou se simplesmente forças sobrenaturais estejam mesmo agindo ali. O terceiro ato então traz cenas intensas e absolutamente inusitadas em relação ao que se apresentava, uma delas remetendo ao ótimo “O Homem de Palha” (1973). Mas a certeza mesmo é que ao fim da sessão você provavelmente estará apavorado ou impressionado diante do que viu. Sendo assim um filme eficientíssimo em seu propósito.

Wilker Medeiros
@willtage

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